Alguém se surpreenderá com a informação de que mais de um terço (36,4%) dos professores do ensino médio leciona em mais de uma escola? Talvez acostumados com tantos problemas sociais que não conseguimos resolver, tendemos a ver com naturalidade estatísticas que, na essência, mostram uma anomalia. Dados como esse não são observados em outros países. De 48 sistemas educacionais examinados por uma pesquisa internacional sobre ensino e aprendizado, no máximo 5% dos docentes dos anos finais do ensino fundamental trabalham em várias escolas. No Brasil, nessa faixa de ensino, são 34,4% dos professores.
No projeto de lei que institui o Plano Nacional de Educação (PNE) para o período 2024-2034, o governo incluiu entre as estratégias “priorizar o cumprimento da jornada de trabalho pelos profissionais do magistério em um único estabelecimento escolar”. Embora sejam imensas as dificuldades para alcançá-lo, é objetivo mais do que correto. Professores, alunos, escolas, a sociedade, o País ganhariam com isso.
Em estudo baseado no Censo Escolar 2023, a Fundação Carlos Chagas (em parceria com a Universidade Stanford e o Dados para um Debate Democrático na Educação) constatou que a atuação docente em múltiplas escolas, comum no Brasil, é um fenômeno raro em outros países, pois tem muitas consequências danosas.
Para o professor, o acúmulo de jornadas em mais de uma escola cria mais riscos de ausência por problemas de saúde, gera desgaste nos deslocamentos, compromete períodos para refeição e descanso, pode ser fonte de estresse. Ademais, prejudica o trabalho docente, reduz a participação do professor nos conselhos escolares e no planejamento pedagógico e limita oportunidades para o apoio didático aos estudantes. Em resumo, há comprometimento da qualidade do ensino e da formação do estudante.
Mesmo dentro das mesmas redes de ensino, há diferenças de situação entre professores de acordo com a disciplina lecionada. Dos professores de língua portuguesa, matemática, ciências, história e geografia, cerca de 20% lecionam em várias escolas. A proporção sobe para cerca de 40% nas disciplinas de física, química, biologia e sociologia. O estudo da Fundação Carlos Chagas observa que o segundo conjunto de disciplinas comumente tem menos aulas semanais nas matrizes curriculares, o que leva os professores a buscarem mais turmas para completar uma carga horária que lhes assegure rendimento maior, daí eles lecionarem em várias escolas.
Aqui se chega ao ponto central da questão: a escassa valorização social da função de professor, cuja consequência para ele é a baixa remuneração. Do Ministério da Educação têm vindo declarações e iniciativas no sentido de oferecer mais oportunidades e melhores condições de trabalho aos docentes.
Uma dessas iniciativas é destinada a atrair para cursos de licenciatura alunos com alto desempenho em provas nacionais e motivar os formandos a trabalhar em sala de aula. Bolsas seriam oferecidas por determinado período a interessados em trabalhar em regiões com carência de professores. Pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) identificou também escassez de professores de disciplinas como sociologia, língua estrangeira, artes, filosofia e física. Mas, ao mesmo tempo, há vagas ociosas nos cursos de formação de professores.
Por quê? Talvez nem todos os cursos disponíveis assegurem aos futuros professores formação de qualidade, nem os motivem a ingressar no magistério. Daí a oferta de vagas superar a procura. Mas a causa mais clara para essa ociosidade num país que carece de bons professores é a baixa remuneração da carreira.
O Anuário Brasileiro da Educação Básica 2024, divulgado em novembro pela organização não governamental Todos Pela Educação, mostrou que os professores de escolas públicas ganham, em média, menos do que todas as demais profissões com ensino superior. Em 2023, o salário mensal médio do professor foi de R$ 4.943; assalariados formados em outros cursos superiores receberam, em média, R$ 5.747.
Com observou reportagem publicada pelo Estadão (14/11), a remuneração de um professor correspondia a menos da metade do ganho de um advogado ou de um engenheiro. Era menor também do que a de um policial com ensino superior. Países asiáticos que conseguiram, em pouco tempo, dar grandes saltos em termos de produtividade, crescimento econômico e condições de vida da população dedicaram atenção especial à educação pública e, sobretudo, à formação do professor e ao reconhecimento de seu trabalho.
Sempre haverá quem, em nome do controle dos gastos do governo ou da redução do peso do Estado, verá custos excessivos num programa de valorização do professor da escola pública. Mas não é possível imaginar um país melhor, com menos desigualdade e mais crescimento, sem melhorar o sistema de ensino público.
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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO ‘O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!)’ (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)