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Opinião | Neoindustrialização sim. Mas como?

Alguns temas dos quais o artigo de Lula e Alckmin manteve distância são importantes, outros talvez sejam decisivos para a formulação de uma política industrial

Foto do author Jorge J. Okubaro

Uma espécie de herança estatística bendita deixa o cenário econômico menos sombrio do que aquele que se desenhava. Até há pouco, o crescimento projetado para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro ao longo do ano mal chegava a 1%. O resultado do primeiro trimestre apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi um crescimento de 1,9% em relação ao trimestre anterior. Se esse resultado se repetisse nos três trimestres seguintes, o aumento do PIB em 2023 chegaria perto de 8%. Mesmo que nos próximos trimestres o crescimento seja zero em relação ao resultado de março, a economia terá crescido 2,4% neste ano.

O fato de a expansão dos primeiros três meses do ano ter dependido fortemente da agropecuária, que cresceu 21,6%, mostra, porém, uma economia desequilibrada. O setor de serviços cresceu só 0,6% e a indústria encolheu 0,1% em relação ao trimestre anterior.

O resultado mantém a tendência de perda gradual da importância da indústria – em especial a de transformação – na economia brasileira. Nas economias avançadas, esse é um fenômeno conhecido. Mas, no Brasil, além de precoce, essa perda de importância é bem mais intensa. Na década de 1980, a indústria chegou a responder por cerca de 25% do PIB brasileiro; hoje sua fatia está em torno de 10%.

É urgente a adoção de um programa de recuperação da indústria, em razão de seu papel na modernização do sistema produtivo interno e na inserção da economia brasileira na mundial num período de grandes e rápidas transformações tecnológicas. Do ponto de vista socioeconômico, é preciso preservar e fortalecer sua capacidade de gerar empregos com maior exigência de qualificação profissional e mais bem remunerados, com efeitos positivos sobre outros setores da economia.

Nesse sentido, foi mais do que oportuna a iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente Geraldo Alckmin de publicar no Estadão o artigo Neoindustrialização para o Brasil que queremos (25/5), no qual afirmam que “a desindustrialização precisa ser interrompida, para que geremos mais empregos de qualidade”. Lula e Alckmin reconhecem que “estamos perdendo a corrida da sofisticação produtiva” e afirmam que “precisamos de uma política industrial inteligente, para o novo momento da globalização”.

A referência à necessidade de “políticas horizontais – como uma tributação eficiente e justa” parece destinar-se a conter temores de empresários e de analistas econômicos de que uma política industrial sob o novo governo Lula venha a repetir práticas de gestões petistas anteriores, em que segmentos empresariais e até mesmo empresas específicas foram escolhidos para receber benefícios tributários ou financeiros.

Há, como destacaram diferentes comentaristas, aspectos positivos no artigo de Lula e Alckmin, mas também há omissões. Alguns temas dos quais o artigo manteve distância são importantes, outros talvez sejam decisivos para a formulação de uma política industrial sem favorecimentos e adequada às necessidades do setor manufatureiro brasileiro para aproximar-se dos de outros países e com eles poder competir.

A observação, no artigo, de que “a indústria só prosperará com capital humano bem formado” apenas tangencia um tema crucial não só para a neoindustrialização, mas para o futuro do País. Trata-se da questão da educação.

No seu plano para a retomada da indústria, a Confederação Nacional da Indústria diz que uma de suas prioridades é a educação profissional do modo como fazem os países mais desenvolvidos.

A educadora Cláudia Costin observou que, no mundo da automação acelerada e da inteligência artificial, “precisamos educar para duas coisas simultaneamente: desenvolver o pensamento crítico e criativo”. Como conseguir isso num país em que até a carga horária nas escolas é insuficiente? Impossível. “Nenhum país que se industrializou tem quatro horas de aula por dia, mas, sim, de sete a nove horas”, disse Costin.

São observações que bastam para dar a dimensão da reforma de que carece o sistema de ensino do País.

Consequências diretas da má formação educacional são a baixa capacidade profissional e a lentidão com que avança, quando avança, a produtividade no País, em particular na indústria. O artigo de Lula e Alckmin não faz nenhuma referência a produtividade. E é sua deterioração nos últimos anos que explica boa parte da perda de importância da indústria.

Em sua edição de maio, o Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas mostra que o desempenho da produtividade na indústria desde 1995 “foi muito negativo”, com redução média ao ano de 0,4% até 2022. Enquanto em outros países a indústria se torna cada vez mais produtiva e competitiva, aqui ela não apenas encolhe, como fica cada vez menos eficiente.

É mais do que um problema, é um extenso conjunto de problemas que precisa ser enfrentado com urgência – e com sabedoria.

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!) (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Opinião por Jorge J. Okubaro

Jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome)