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Opinião | O começo, no outono de Paris

A despeito da longa relação diplomática e comercial entre Brasil e Japão, os números das trocas comerciais entre eles parecem muito modestos

Foto do author Jorge J. Okubaro

Foi no outono de uma Paris que ainda tinha a Torre Eiffel como símbolo recente que, há 130 anos, Brasil e Japão iniciaram suas relações comerciais e diplomáticas. O Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, que marca o início dessas relações, foi assinado no dia 5 de novembro de 1895 (a torre fora inaugurada seis anos antes) pelos representantes dos dois países junto ao governo francês, os ministros plenipotenciários Gabriel de Toledo Pisa e Almeida e Arasuke Sone. As representações diplomáticas recíprocas foram abertas em 1897. A visita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva realiza neste momento ao Japão tem, além de outros, o simbolismo de celebrar uma longa relação interrompida apenas na Segunda Guerra Mundial.

Trata-se de uma visita de Estado, como ela é classificada na linguagem diplomática. Há um simbolismo também nesse tipo de viagem. No Japão, as visitas de Estado são organizadas apenas uma vez por ano. Entretanto, estavam interrompidas por causa da pandemia de covid-19. A do presidente Lula é a primeira desde 2019. Esta é a quinta viagem oficial de Lula ao Japão. Seu programa inclui audiências com o imperador Naruhito e o primeiro-ministro Shigeru Ishiba. Será o segundo encontro de Lula com Ishiba. Em novembro, Ishiba participou da Cúpula do G-20 no Rio de Janeiro.

Decerto os temas econômicos e comerciais – investimentos, abertura de mercado para a carne brasileira, cooperação científica e tecnológica – dominam a agenda da missão brasileira que viajou para o Japão com o presidente. Evento no hotel New Otani, em Tóquio, organizado pelo Itamaraty com apoio da Confederação Nacional da Indústria, foi preparado para receber 500 empresários de setores como automotivo, alimentos, agronegócio, aeroespacial, bebidas, energia, logística e siderurgia, entre outros.

Dezenas de acordos e tratados entre entes públicos e privados dos dois lados estão programados em áreas como ciência e tecnologia, combustível sustentável, educação, pesca, recuperação de pastagens, segundo a Secretaria de Ásia e Pacífico do Itamaraty.

Dados do Banco Central apontam o Japão como o nono maior investidor externo no Brasil, com um total de US$ 35 bilhões em investimentos diretos. Nos últimos anos, essas aplicações têm se concentrado no setor automotivo. A despeito da longa relação diplomática e comercial entre os dois países, os números das trocas comerciais entre eles parecem muito modestos. O intercâmbio comercial em 2023 somou US$ 11 bilhões. Isso representa apenas 7% do comércio bilateral entre Brasil e China naquele ano, quando o total alcançou US$ 157,4 bilhões.

“É muito pouco para a grandeza do Japão e do Brasil”, disse, não sem razão, o presidente Lula em entrevista a jornalistas japoneses dias antes de embarcar para Tóquio. Há, de fato, muito espaço para expandir o comércio entre os dois países. Contudo, essa é uma realidade conhecida há muito tempo por dirigentes, exportadores e empresários em geral das duas partes – e há muito tempo se fala em superar essa realidade, o que seria facilitado pela complementaridade das duas economias. Será que isso ocorrerá agora?

Há, para além das relações de natureza diplomática, comercial, econômica e financeira, ora mais estreitas, ora mais frias, uma proximidade entre Brasil e Japão que não se altera: é a presença marcante de cidadãos de um país no outro. Segundo dados divulgados no ano passado pelo governo japonês, no Brasil há 2,7 milhões de japoneses e seus descendentes. Dados do Itamaraty indicam que 211 mil brasileiros vivem no Japão.

Iniciada em 1908, a imigração japonesa no Brasil deixou marcas fortes na cultura, nos hábitos, na alimentação e até na linguagem da população brasileira. Mas a história da presença de japoneses e seus descendentes no Brasil não foi sempre marcada pela harmonia. Resistências à vinda dos japoneses foram registradas desde os primeiros anos da imigração até a Segunda Guerra. Mesmo depois de terminado o conflito, a proibição da entrada de japoneses no Brasil chegou a ser votada (e derrotada por um voto) na Constituinte de 1946.

Os anos que se seguiram ao fim da guerra foram marcados por episódios sombrios envolvendo os imigrantes. Japoneses foram mortos por outros japoneses por causa de divergências sobre o resultado do conflito mundial. Japoneses presos na ocasião sofreram maus tratos das autoridades policiais brasileiras. Em julho do ano passado, a Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos, em nome do Estado brasileiro, pediu desculpas às famílias das vítimas por atos de agentes públicos que violaram direitos humanos.

Antes de viajar para o Japão, Lula da Silva considerou o pedido de desculpas do Estado “uma atitude de grandeza democrática e grandeza humanística”. Espera-se que essas características sejam preservadas e fortalecidas nas relações entre os dois países e entre seus povos.

Opinião por Jorge J. Okubaro

Jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome)