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Opinião | Obstáculos estruturais à mobilidade social

Além de proteger os vulneráveis, políticas públicas e empresariais devem voltar-se para a preparação adequada dos trabalhadores

Foto do author Jorge J. Okubaro

Há um contraste entre os dados da evolução da economia e o sentimento de boa parte da população. Com vários recordes históricos, o mercado de trabalho teve desempenho particularmente positivo no ano passado. A economia deve ter crescido 3,5%, de acordo com a última projeção do Banco Central. Nesse cenário, um certo pessimismo da população aferido por algumas pesquisas parece inexplicável.

Para entender essa aparente contradição, é preciso observar outras faces da economia. A inflação estourou o limite das metas fixadas para o ano passado e preocupa as famílias. Incertezas em relação à taxa de câmbio, à política fiscal e à capacidade do governo de enfrentar um quadro internacional provavelmente mais conturbado geram desconfianças entre agentes econômicos.

É curioso que nem a boa situação do emprego, fundamental para melhorar as condições de vida, parece suficiente para animar os trabalhadores. No ano passado, os resultados foram exuberantes. A taxa de desocupação, de 6,1% no trimestre encerrado em novembro, recuou 0,5 ponto porcentual em relação ao resultado do trimestre junho-agosto e 1,4 ponto ante o mesmo trimestre móvel de 2023 e foi a menor da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua do IBGE, iniciada em 2012. A população ocupada, de 103,9 milhões de trabalhadores, também é recorde. A massa de rendimento real habitual, de R$ 332,7 bilhões, é a maior da série histórica, por causa do aumento da renda média e do número de ocupados. Assim, a relativa estabilidade do mercado de trabalho em 2025, prevista por parte dos especialistas, não será um mau resultado.

Além disso, o agudo agravamento das fragilidades do mercado de trabalho brasileiro provocado pela pandemia da covid-19 já foi superado. Estudo do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) mostra como a crise sanitária global acentuou distorções estruturais do mercado de trabalho, que afetam grupos específicos (negros, mulheres, jovens, trabalhadores informais, profissionais com baixo nível de escolaridade), e como esse impacto foi se diluindo até não ser mais detectado em 2024. O IMDS acompanha políticas públicas com foco em mobilidade social e propõe medidas para aperfeiçoá-las.

Antes da pandemia, a probabilidade de perda de ocupação entre informais variava de 22% a 24%, enquanto para os formais não chegava a 10%. Na pandemia, a dos informais saltou para mais de 30%, “refletindo o impacto severo da crise sobre os trabalhadores mais vulneráveis”; a dos formais subiu para 14%. Após a pandemia, a probabilidade de desligamento dos informais chegou a baixar para 15% e a dos formais, para menos de 10%.

Ainda no mercado informal, antes da pandemia, trabalhadores negros já enfrentavam probabilidade de desemprego de 25%, maior do que a média desse mercado. Na pandemia, o risco subiu até 35,8% para os negros, enquanto para os brancos o pico foi de 29,5%.

O estudo compara também a situação de homens e mulheres, de jovens e adultos, de trabalhadores com curso superior e com no máximo ensino médio, chegando a conclusões semelhantes. Em certos casos, a disparidade chega a ser surpreendentemente ampla. Na pandemia, a probabilidade de perda de ocupação entre as mulheres informais chegou a 41,8%, enquanto para os homens informais ficou em 27,3%.

Outra conclusão da pesquisa do IMDS diz respeito ao nível de escolaridade do trabalhador, fator considerado crucial para a preservação da ocupação. Pessoas com ensino superior completo apresentaram as menores probabilidades de perda de emprego, tanto no mercado formal como no informal.

O impacto da covid-19 foi temporário. Após a pandemia, as taxas de perda de ocupação voltaram aos níveis normais observados antes de 2020.

E isso é bom? Não, não é. “As desigualdades entre os grupos permanecem tão profundas quanto antes”, diz o economista e professor Paulo Tafner, diretor-presidente do IMDS. “Entender por que determinados grupos sociais têm menos da metade das chances de permanecer empregados em comparação a outros é essencial para debater a construção de uma sociedade mais equitativa. Tais disparidades evidenciam problemas estruturais de mobilidade social, cuja manifestação mais visível está nas diferenças de chances de permanência no mercado de trabalho.”

A evolução da economia mundial imporá tarefas ainda mais desafiadoras para os formuladores de políticas públicas. Preservar e criar empregos não serão mais suficientes. Novas habilidades serão cada vez mais exigidas nas ocupações que estão surgindo. Conhecimento de inteligência artificial e de outros recursos tecnológicos inovadores será essencial para a empregabilidade nos próximos anos.

Além de proteger os vulneráveis, as políticas empresariais e públicas, sobretudo estas, devem voltar-se para a preparação adequada dos trabalhadores, para que o desenvolvimento traga consigo a redução das desigualdades.

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO ‘O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!)’ (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Opinião por Jorge J. Okubaro

Jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome)