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Opinião | Qual reforma administrativa?

A reforma de que a sociedade necessita não pode deixar de buscar, ao menor custo possível, mais eficiência na prestação de serviços para todos

Foto do author Jorge J. Okubaro

É notável o senso de oportunidade do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Habilidoso, impôs ao Executivo uma especial relação de trocas, por meio da qual tem conseguido manter o governo sob pressão. Pode, assim, exigir medidas que fortaleçam sua influência. Tendo contribuído para a aprovação de propostas vitais para o Palácio do Planalto – PEC da Transição, reforma tributária, arcabouço fiscal, entre outras –, agora Lira defende urgência para a reforma administrativa. É seu novo desafio ao governo, que não quer discutir o tema, nem agora e talvez nem depois.

Em recente debate sobre reforma tributária na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Arthur Lira falou da necessidade da reforma administrativa. “Se não podemos aumentar impostos, temos de cortar despesas”, disse. Parlamentares ligados ao agronegócio e ao empreendedorismo divulgaram manifesto na mesma linha, argumentando que discussões sobre carga tributária, burocracia e custo de empreender demandam o debate urgente “do tamanho e da eficiência do Estado brasileiro”. Para esses parlamentares, corte de gastos com pessoal é essencial e urgente. A qualidade dos serviços públicos não está no centro de suas preocupações.

Não são os únicos a pensar desse modo. Sem conseguir fazer avançar com mais velocidade no Congresso sua Proposta de Emenda Constitucional que “altera disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa” (PEC 32/20), o governo Bolsonaro fez uma reforma administrativa silenciosa – e selvagem.

Limitação de competências e corte de pessoal de órgãos que atuam em áreas como proteção ambiental, povos indígenas, saúde e educação são exemplos óbvios dessa reforma não planejada de Bolsonaro. A redução forçada do número de servidores, por meio do não preenchimento de cargos abertos por aposentadoria ou morte, é outra parte dessa reforma arrevesada. Em 2018, ano que antecedeu o início do governo Bolsonaro, havia 1.090.139 funcionários ativos. O número mais recente para 2023, disponível no Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União, é de 868.890 funcionários ativos. Ao longo do governo Bolsonaro, a redução foi de 24%.

A diminuição de gastos com pessoal não foi proporcional a essa queda, pois o total de aposentados e pensionistas caiu menos do que o de funcionários ativos. De todo modo, houve redução de 1/4 do pessoal ativo. Esse encolhimento sem planejamento, resultado de fatores não controlados pela administração, implicou perda de qualidade dos serviços prestados à população. E os que mais dependem da ação do setor público não são representantes do agronegócio nem empresários, que tanto reclamam do custo do Estado; são os mais pobres.

A reforma administrativa de que a sociedade necessita não pode deixar de buscar, ao menor custo possível, mais eficiência na prestação de serviços para todos, com especial atenção para a parte mais frágil da população. Nem pode convalidar distorções notórias, como o pagamento de supersalários para determinadas carreiras e a falta de servidores em setores básicos da administração.

A PEC 32/20, que Lira decidiu trazer à luz neste momento, passou pela comissão especial da Câmara, em forma de substitutivo, há praticamente dois anos. Está parada, aguardando ser colocada em pauta para exame no plenário da Casa, como agora Lira diz pretender fazer. A PEC não tem como objetivo explícito a redução do custo do pessoal, embora essa possa ser uma de suas consequências. Mas pode afetar a situação dos funcionários, o que preocupa o governo Lula, pois o PT, principal partido de sustentação da atual administração federal, tem forte presença no setor público.

O substitutivo já aprovado na comissão especial mantém a estabilidade para todos os servidores concursados (a proposta original do governo Bolsonaro a assegurava apenas para ocupantes de cargos típicos de Estado) e amplia a vedação expressa de concessão de vantagens como férias de mais de 30 dias, adicionais por tempo de serviço, aposentadoria compulsória como forma de punição e licença-prêmio.

Entre as formas de avaliação do desempenho do servidor, medida prevista na Constituição, o substitutivo da PEC 32/20 permite que os cidadãos comuns a façam por meio de plataforma eletrônica de serviços públicos. Parece uma boa proposta, mas o temor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) é de que esse tipo de avaliação se concentre em funcionários que trabalham em atividades-fim, pois é com esses que a população tem contato direto. Isso os expõe a um julgamento a que outros servidores não estarão sujeitos. Assim, quem trabalha em áreas como saúde e educação está em situação mais frágil do que a dos demais servidores. E são as áreas mais demandadas pela população que ganha menos.

Questões como essas e a melhoria dos serviços não parecem preocupar aqueles que veem funcionários públicos apenas como fonte de despesas a serem cortadas.

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!) (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Opinião por Jorge J. Okubaro

Jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome)