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Opinião|Uma era terminou. Mas há outras

A despeito de depender bem menos do carvão mineral, o Brasil precisa impulsionar a transição energética

Foto do author Jorge J. Okubaro

Está coberto de simbolismo o fechamento da última usina de energia movida a carvão no Reino Unido. Com o encerramento das operações da usina Ratcliffe-on-Soar, em Nottingham, terminou no dia 30 de setembro a era do carvão no país que, no século 18, foi o berço da Revolução Industrial – sustentada justamente pelo carvão mineral. Esse combustível fóssil mudou o mundo. Agora, mais uma vez, o mundo precisa mudar. Precisa substituir combustíveis que no passado foram essenciais para assegurar e disseminar o progresso, mas hoje provocam severos problemas ambientais.

Quando queimado, o carvão mineral libera na atmosfera gases como monóxido de carbono, dióxido de carbono, enxofre, metano, óxidos de nitrogênio, além de cinza e poeira. Muitas dessas emissões são classificadas como gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global e por crises climáticas. Mesmo sendo o combustível fóssil mais poluente, o carvão tem participação crescente na matriz energética mundial.

Seu consumo global foi recorde no ano passado, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE). A demanda global ultrapassou 8,5 bilhões de toneladas pela primeira vez na História, com aumento de 1,4% sobre a demanda de 2022. Esse aumento assusta, pois representa mais riscos quando o mundo debate meios para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. A evolução do consumo, porém, é extremamente desigual por regiões ou por países.

O consumo deve ter diminuído 23% na Europa e 21% nos Estados Unidos, por causa do enfraquecimento da atividade industrial e da troca do carvão por energias renováveis. Mas a demanda continuou muito alta nos países emergentes. O aumento foi de 11% na Indonésia, de 8% na Índia e de 5% na China, em razão do maior consumo de eletricidade e da queda do fornecimento de energia gerada por usinas hidrelétricas. Estatísticas da AIE confirmam que o carvão continua sendo a fonte de energia mais importante para a geração de eletricidade e para a produção de aço e cimento no mundo. E continua sendo também a maior fonte de dióxido de carbono produzido pelo homem.

Fontes de energia são apontadas como os principais vilões do aquecimento global. E a mais poluente delas, o carvão mineral, continua sendo a principal fonte para a geração de energia elétrica no mundo, respondendo por 36% do total gerado. Fontes não poluentes, como gás natural (23%) e hidráulica (15,5%), vêm em seguida. Petróleo e derivados respondem por 2,5%. Fontes limpas, como geotérmica, eólica, solar (térmica e fotovoltaica), biomassa e resíduos, ainda têm participação marginal na geração de energia elétrica no mundo.

No Brasil, como mostra o Balanço Energético Nacional de 2024 elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), as fontes renováveis responderam por 49,1% da oferta interna de energia no ano passado. As fontes não renováveis responderam por 50,9%, sendo as mais importantes petróleo e derivados (35,1%) e gás natural (9,6%). O carvão mineral respondeu por apenas 4,4%.

A despeito de depender bem menos do carvão mineral, o Brasil precisa impulsionar a transição energética. Trata-se de promover a passagem gradual, mas firme e contínua, da dependência de fontes não renováveis para fontes de energia limpa e sustentável. Fenômenos extremos decorrentes das mudanças climáticas, além da necessidade de garantia de segurança energética e sustentabilidade, deveriam acelerar essa transição.

Em dezembro de 2023, na Conferência Mundial do Clima realizada em Dubai (COP-28), representantes de cerca de 200 países comprometeram-se com o início da transição energética, tendo como meta a triplicação da fatia das fontes renováveis na geração de energia ainda nesta década. A COP-28 também aprovou a meta de atingir a neutralidade de carbono em 2050 e limitou a 1,5°C o aumento da temperatura global (o Acordo de Paris, de 2015, permitia aumento de até 2°C).

Embora não tratasse claramente da eliminação do uso de combustíveis fósseis nem tivesse definido ações para reduzir seu consumo, o acordo deu sinal para o fim da era do petróleo e do carvão.

É ilusório, porém, imaginar o mundo sem petróleo daqui a dez ou vinte anos. Não será, como observou a EPE no Plano Nacional de Energia 2050, “um processo linear e de ruptura, mas de longa coexistência entre a fonte que a caracteriza e as fontes que são progressivamente substituídas”. E seu impacto vai muito além das mudanças na matriz energética nacional ou mundial. Como lembra o Plano Nacional de Energia, haverá “profundas alterações na base tecnológica dos conversores (a máquina térmica associada ao carvão mineral; os motores a combustão interna, as turbinas aeronáuticas e a gás, etc.), nos padrões de consumo e nas relações socioeconômicas e ambientais”.

O fim da era da exploração e do uso de combustíveis fósseis, ainda que fortemente desejável, não ocorrerá amanhã.

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO ‘O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!)’ (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Opinião por Jorge J. Okubaro

Jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome)