O site Metrópoles divulgou vídeo de reunião de 8 de setembro de 2020 no Palácio do Planalto em que os médicos Osmar Terra, Paolo Zanotto e Nise Yamaguchi recomendaram ao presidente Jair Bolsonaro não comprar vacinas. O chefe do desgoverno usou seu serviçal na Saúde, o intendente incompetente Eduardo Pazuello, como estafeta e cancelou compromisso de compra de 46 milhões de doses da Coronavac. Até hoje, nove meses depois, ele ainda condena isolamento social e uso de máscara. Conforme notícia posterior e da mesma fonte, houve 27 reuniões. Só isso já caracteriza, com sobras, subversão da ordem institucional, pois saúde pública é com o Sistema Único de Saúde (SUS).
Não há, portanto, nada mais há a ser revelado em novos depoimentos à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado sobre omissões e crimes cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro e membros de seu repugnante desgoverno no combate ao contágio letal do novo coronavírus. Não se trata aqui de desmerecer para descontinuar o trabalho competente e indispensável que vem sendo efetuado pelo dito “grupo dos sete” na coleta de dados relevantes. O ex-secretário de Comunicação do Presidência da República Fábio Wajngarten entregou ao relator, Renan Calheiros, a carta do laboratório Pfizer oferecendo vacinas, que ficou sem resposta de seus destinatários de primeiro escalão. E, como agora se sabe, pela metade do preço. O senador Otto Alencar levou Nise Yamaguchi, presente às reuniões palacianas, a confessar à CPI sua abissal ignorância em epidemiologia, ao não responder a questões básicas sobre o vírus que nos aflige. A epidemiologista Luana Araújo reduziu a pó a estúpida defesa do negacionismo bolsonarista pelos senadores governistas Marcos do Val, Marcos Rogério, Eduardo Girão e Luiz Carlos Heinze.
Com um mês de atividade e a dois, portanto, de seu encerramento legal, que pode, mas não deveria, ser prorrogado, integrantes e ex-integrantes da cúpula do Executivo, formal ou informal, negaram a existência dessa estrutura paralela e empoderada, revelada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta à CPI. O próprio presidente desta, senador Omar Aziz, concluiu que a gravação comprova a existência de um poder paralelo e superior ao do ministro da Saúde. Para ele, “não se trata mais de falar que supostamente existe algo. Está comprovado”. Outros membros da comissão reconhecem que, como disse um de seus propositores e vice-presidente, Randolfe Rodrigues, “o vídeo é a prova definitiva da existência do gabinete paralelo que a CPI já investigava”. O relator da comissão, senador Renan Calheiros, também considera inegável a existência do que batizou de “Ministério da Doença”.
Ao contrário do que os bolsonaristas pretendem determinar, como de hábito, a comparação com shadow board (conselho sombra) ou shadow cabinet (gabinete sombra) não foi feita pela “extrema imprensa”. Mas por um participante da reunião, transmitida ao vivo nas redes sociais do presidente. O microbiologista da Universidade de São Paulo (USP) Paolo Zanotto, que se diz “amigo” do chefe do desgoverno federal, chamado a discursar na reunião, sugeriu a fórmula, usada institucionalmente no Reino Unido desde o século 17. O termo sombra não se refere a trevas, mas ao fato de cada membro ficar na cola dos ministros do partido do governo. No afã de inocentar Jair Messias, missão a que se agarram sem pudor seus adoradores, o mesmo médico, que foi convidado à mesa por Osmar Terra, recorrem ao direito de desmentir até o óbvio, sem nada temer.
O gabinete mais das trevas que da sombra tem tornado inútil o esforço da CPI de arrancar depoimentos dos vassalos do chefão que abusam do direito constitucional ao silêncio, garantido por Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), a Eduardo Pazuello e Nise Yamaguchi, para desmentir os fatos. E as declarações que eles mesmos já deram, em shows de cinismo sem limites.
O especialista em partos (perinatalogia) e neurociência Osmar Terra, ex-militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), à época já tendo obedecido ao tirano albanês Enver Hoxxa, agora é fiel ao adorador de torturador e miliciano. A oncologista Nise Yamaguchi seria na certa mais capacitada a convencer Bolsonaro de que não se cura câncer com pílula do que a recomendar-lhe a inclusão na bula da cloroquina da cura da covid-19. A reputação do microbiologista Paolo Zanotto, da USP, é polêmica e duvidosa. Os três poderão alegar que estão mais próximos de entender o sistema respiratório para assessorar Bolsonaro do que o encarregado por este de estudar o novo coronavírus, Arthur Weintraub, advogado de baixo renome profissional e incapaz de distinguir um alvéolo pulmonar do “auriverde pendão de minha terra, que a brisa do Brasil beija e balança”.
Já que não conseguirá mesmo trazer Arthur Weintraub e Carlos Wizard dos Estados Unidos para deporem, convém aprovar o relatório final e encaminhá-lo ao Ministério Público Federal, que muito provavelmente o despejará na lixeira mais próxima. Pelo menos isso reduzirá gastos públicos.
JORNALISTA, POETA E ESCRITOR
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