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O economista José Serra escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | As tarifas de Lula e Trump: a história no avesso

Estruturas logísticas e nexos comerciais não brotam do dia para a noite, mas necessitam de um horizonte temporal sólido para serem construídos

Foto do author José Serra

Uma coisa muito distante do cotidiano das pessoas ganhou um vedetismo inédito nos palcos da política e nos noticiários: as tarifas. Na segunda metade do século passado, o governo brasileiro usava tarifas e barreiras comerciais para proteger a produção nacional nascente da concorrência externa. Há décadas, o liberalismo econômico prega tarifas baixas para que cada país produza o que sabe fazer com mais eficiência. Mas, nos últimos dias, as coisas viraram do avesso.

De início, vejamos as tarifas reduzidas no Brasil. A alta de preços dos alimentos vem assombrando o presidente Lula, por duas vias. Na primeira, o IPCA chegando próximo dos 5% ao ano vai detonando o regime de metas de inflação. Como o Banco Central não sabe fazer outra coisa contra a inflação além de elevar a taxa básica de juros, o custo do dinheiro vai seguir sua trajetória de alta.

Na outra via, algo ainda mais complexo. O eleitor de Lula parece estar com dúvidas de sua escolha eleitoral, dado que seu maior interesse, o preço de bens e serviços essenciais, tem experimentado forte tensão. Os preços dos alimentos têm subido demais e isso afeta diretamente o orçamento das famílias. A redução nos níveis de aprovação do governo é expressão deste empobrecimento.

Carne, milho, azeite, massas, café, óleo, açúcar, dentre outros, devem ter sua alíquota atual de cerca de 10% reduzida a zero. O objetivo, ampliar a abertura dos mercados brasileiros pela redução dos preços dos bens importados, o que aumenta a competição e força a baixa de preços. Lembremos que um presidente não tem como falar para eleitores que não pode fazer nada.

Certamente esse é um instrumento de política econômica, mas seu alcance é restrito. Há que se entender que estruturas logísticas e nexos comerciais não brotam do dia para a noite, mas necessitam de um horizonte temporal sólido para serem construídos. Se não houver oferta externa ou se não houver canais de internalização, o impacto nos preços internos será bastante reduzido.

É mais provável que fiquemos com a pior parte, a desorganização dos mercados e o desânimo dos produtores que passam a sofrer a concorrência. Infelizmente, os problemas mais estruturais ficam para depois. O custo do crédito continua nas alturas, a infraestrutura continua débil, privando as cadeias produtivas de condições mínimas de logística. Em síntese, a redução de tarifas no Brasil parece ser mais uma sinalização de que “estamos fazendo alguma coisa” do que uma política efetiva.

O outro campo de análise desta nova vedete, a tarifa, é o Carnaval de Donald Trump, que mais parece intencionar se elevar à condição de imperador do mundo do que assumir as responsabilidades de presidente dos Estados Unidos na sustentabilidade da economia internacional.

É legítimo para todos, menos para os EUA, usar as tarifas como instrumento de política econômica, tanto para proteger a produção interna da competição predadora quanto para estabelecer uma pressão no mercado interno contra grupos com excessivo poder de mercado. Afinal, os EUA são a economia dominante ou uma republiqueta?

Há décadas a Organização Mundial do Comércio e as instituições que a precederam, buscam regular os procedimentos de concorrência desleal e construir condições para a sustentabilidade nas relações comerciais. E note-se que os EUA sempre tiveram uma posição de liderança, e até controle, deste processo.

Não é legítimo usar tarifas como forma de pressão política. O que Trump está fazendo com o Canadá e o México no caso das drogas só destrói as economias. Ameaçar o Brasil e a União Europeia só colabora para o empobrecimento do mundo. Tripudiar a China pode levar a uma disputa sem fim e ao estilhaçamento da economia mundial.

Há uma esperança, que é a realidade. Trump está indo contra o que a história criou. Cada uma das estruturas econômicas está inserida em cadeias produtivas que transcendem o país e têm articulação com diversos polos regionais. A oposição dos agricultores americanos às medidas de Trump espelha bem isto. Nas vendas, a perspectiva é perder o mercado chinês por sua reação na forma de aumento de tarifas contra importações provenientes dos EUA. Nos insumos, o encarecimento das compras junto aos tradicionais parceiros da América do Norte.

Só que é mais do que isso, a grande corporação americana espalhou-se pelo mundo, criando cadeias globais de valor das quais diversas especializações nacionais participam. Mexer nesse quebra cabeça com a ótica de caráter eminentemente nacional da tarifa é desconhecer o mundo que emergiu do pós-guerra. Aliás, um mundo moldado pelos EUA e por suas empresas.

As idas e vindas na adoção das tarifas retaliatórias de Trump espelham esta dissociação entre a realidade econômica e a personalidade do presidente americano. As tarifas sobre aço e alumínio copiam a política do Brasil de 60 anos atrás, numa “substituição de importações” fora de contexto. Um líder e um país pensando pequeno e colocando o mundo em risco.

Opinião por José Serra

Economista

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