Uma coisa muito distante do cotidiano das pessoas ganhou um vedetismo inédito nos palcos da política e nos noticiários: as tarifas. Na segunda metade do século passado, o governo brasileiro usava tarifas e barreiras comerciais para proteger a produção nacional nascente da concorrência externa. Há décadas, o liberalismo econômico prega tarifas baixas para que cada país produza o que sabe fazer com mais eficiência. Mas, nos últimos dias, as coisas viraram do avesso.
De início, vejamos as tarifas reduzidas no Brasil. A alta de preços dos alimentos vem assombrando o presidente Lula, por duas vias. Na primeira, o IPCA chegando próximo dos 5% ao ano vai detonando o regime de metas de inflação. Como o Banco Central não sabe fazer outra coisa contra a inflação além de elevar a taxa básica de juros, o custo do dinheiro vai seguir sua trajetória de alta.
Na outra via, algo ainda mais complexo. O eleitor de Lula parece estar com dúvidas de sua escolha eleitoral, dado que seu maior interesse, o preço de bens e serviços essenciais, tem experimentado forte tensão. Os preços dos alimentos têm subido demais e isso afeta diretamente o orçamento das famílias. A redução nos níveis de aprovação do governo é expressão deste empobrecimento.
Carne, milho, azeite, massas, café, óleo, açúcar, dentre outros, devem ter sua alíquota atual de cerca de 10% reduzida a zero. O objetivo, ampliar a abertura dos mercados brasileiros pela redução dos preços dos bens importados, o que aumenta a competição e força a baixa de preços. Lembremos que um presidente não tem como falar para eleitores que não pode fazer nada.
Certamente esse é um instrumento de política econômica, mas seu alcance é restrito. Há que se entender que estruturas logísticas e nexos comerciais não brotam do dia para a noite, mas necessitam de um horizonte temporal sólido para serem construídos. Se não houver oferta externa ou se não houver canais de internalização, o impacto nos preços internos será bastante reduzido.
É mais provável que fiquemos com a pior parte, a desorganização dos mercados e o desânimo dos produtores que passam a sofrer a concorrência. Infelizmente, os problemas mais estruturais ficam para depois. O custo do crédito continua nas alturas, a infraestrutura continua débil, privando as cadeias produtivas de condições mínimas de logística. Em síntese, a redução de tarifas no Brasil parece ser mais uma sinalização de que “estamos fazendo alguma coisa” do que uma política efetiva.
O outro campo de análise desta nova vedete, a tarifa, é o Carnaval de Donald Trump, que mais parece intencionar se elevar à condição de imperador do mundo do que assumir as responsabilidades de presidente dos Estados Unidos na sustentabilidade da economia internacional.
É legítimo para todos, menos para os EUA, usar as tarifas como instrumento de política econômica, tanto para proteger a produção interna da competição predadora quanto para estabelecer uma pressão no mercado interno contra grupos com excessivo poder de mercado. Afinal, os EUA são a economia dominante ou uma republiqueta?
Há décadas a Organização Mundial do Comércio e as instituições que a precederam, buscam regular os procedimentos de concorrência desleal e construir condições para a sustentabilidade nas relações comerciais. E note-se que os EUA sempre tiveram uma posição de liderança, e até controle, deste processo.
Não é legítimo usar tarifas como forma de pressão política. O que Trump está fazendo com o Canadá e o México no caso das drogas só destrói as economias. Ameaçar o Brasil e a União Europeia só colabora para o empobrecimento do mundo. Tripudiar a China pode levar a uma disputa sem fim e ao estilhaçamento da economia mundial.
Há uma esperança, que é a realidade. Trump está indo contra o que a história criou. Cada uma das estruturas econômicas está inserida em cadeias produtivas que transcendem o país e têm articulação com diversos polos regionais. A oposição dos agricultores americanos às medidas de Trump espelha bem isto. Nas vendas, a perspectiva é perder o mercado chinês por sua reação na forma de aumento de tarifas contra importações provenientes dos EUA. Nos insumos, o encarecimento das compras junto aos tradicionais parceiros da América do Norte.
Só que é mais do que isso, a grande corporação americana espalhou-se pelo mundo, criando cadeias globais de valor das quais diversas especializações nacionais participam. Mexer nesse quebra cabeça com a ótica de caráter eminentemente nacional da tarifa é desconhecer o mundo que emergiu do pós-guerra. Aliás, um mundo moldado pelos EUA e por suas empresas.
As idas e vindas na adoção das tarifas retaliatórias de Trump espelham esta dissociação entre a realidade econômica e a personalidade do presidente americano. As tarifas sobre aço e alumínio copiam a política do Brasil de 60 anos atrás, numa “substituição de importações” fora de contexto. Um líder e um país pensando pequeno e colocando o mundo em risco.