Embora todas as vozes do mercado financeiro joguem a culpa das instabilidades da economia brasileira na política fiscal, o futuro do Brasil merece uma discussão menos ideológica. Não que eu ache que o fiscal está bem, não está. Só que um país maduro não pode ficar elegendo bodes expiatórios e deixar de ver o conjunto da economia e da política econômica.
Temos uma trajetória de elevação da taxa Selic, o juro básico da economia. A taxa está sendo elevada para reduzir a escalada inflacionária esperada desde 18 de setembro de 2024. Esta reunião do Copom elevou a Selic de 10,5% ao ano para 10,75%. Neste momento, as expectativas de mercado, capturadas pelo Boletim Focus, indicavam IPCA de 3,95% para o ano de 2025. Já as projeções divulgadas na ata do Copom falavam em 3,7%.
Naquele setembro de 2024, o Copom enunciava um novo ciclo de expansão da Selic, embasado nas considerações de que: “O cenário, marcado por resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas, demanda uma política monetária mais contracionista.” (transcrito da ata da reunião de 18/09/2024).
Seis meses se passaram. Agora a Selic está em 14,25% e a ata do Copom indica IPCA de 5,2% para 2025. Já o mercado, como mostra o Boletim Focus, aposta em 5,66%, em sua última versão. Se a Selic de 15% esperada pelas instituições informantes do Focus se confirmar, teremos uma taxa de juro real de quase 9% ao ano.
É crucial notar que, em setembro passado, a taxa de juro já era uma das mais altas do mundo, situando-se entre 5,5% e 6%. Mas a política do Copom, se concluído o ciclo de alta iniciado em setembro, levará a uma taxa de juro real 3% ao ano mais elevada.
Qualquer um que olhe esses dados tem o direito de ficar perplexo. Essa política teria um custo anualizado de mais de R$ 170 bilhões. E o resultado, enquanto instrumento de política, é pífio: trazer a inflação esperada anualizada de 3,97% (em setembro de 2024) para 5,2% (em março de 2025), segundo as atas do Copom. Sim leitor, é isso que você leu.
Aqui, vale ressaltar que a política de metas tem muito a colaborar com a economia, ao oferecer um balizamento para os agentes econômicos que formam os preços. Mas não comungo da ideia de que a meta tem de ser a menor possível, desrespeito à realidade. Muito menos que ela deva ser atingida custe o que custar.
É lógico que foi um período difícil e que a instabilidade ficou estampada com os destemperos do governo Trump. Mas não dá para esquecer que o governo Lula assumiu o jogo da política monetária com metas de inflação. Em tendo assumido, seu dever é ter políticas para harmonizar o comportamento dos preços. Leitor, por favor, não confunda essa harmonização com manipulação do índice, uma excrescência. Não se cura a doença (a inflação) esmurrando o termômetro (o IPCA).
A maior prova de que o governo não tem uma política efetiva para harmonizar o IPCA é a própria enxurrada de medidas tomadas quando os preços dos alimentos se mostraram fora de controle. De estoques reguladores a eliminação de tarifas de importação, o governo buscou controlar as trajetórias que já tinham construído a instabilidade no preço dos alimentos.
Num outro campo, os preços administrados parecem ser tudo, menos administráveis. O episódio quase insólito de Itaipu é um fato estilizado, mas não isolado. O último IPCA mensal presenciou aumento dos preços de energia elétrica de 16,80%, representando 0,56 ponto porcentual do índice geral de 1,31%. Isso significa que o subitem respondeu por 38,9% da alta do IPCA em fevereiro.
O absurdo é que isso decorreu de um bônus de Itaipu transferido às contas de luz, no mês de janeiro, que produziu uma queda de 14,21% para este componente. Não é possível que a política econômica não possa harmonizar o processo, diluindo os repasses ao consumidor no tempo. Aliás, é ainda mais absurdo que o consumidor tenha pago antes, para receber o tal bônus de devolução depois.
Outro elemento de grande importância foi a volatilidade cambial. Mas isso, cada vez mais, cheira a pura especulação. Nada pode explicar que a taxa de câmbio de R$ por US$ tenha aumentado R$ 0,60 em três meses. Muito menos se pode explicar a inércia do Banco Central, que apenas observou os processos especulativos, como se a gestão cambial não fosse de sua responsabilidade. Prova disto é que a taxa retornou ao patamar de R$ 5,70/ R$ 5,75, mesmo com um ambiente, no comércio internacional, totalmente hostil.
É o centro da política econômica. Com uma taxa de juro mantida, de forma já perene, num patamar real tão elevado, não haverá desenvolvimento, talvez curtos ciclos de crescimento do consumo. Sem políticas consistentes para a produção, os preços, seja os administrados (como a energia), seja os flexíveis (como os alimentos), o IPCA seguirá aos solavancos. Para honrar a meta desnecessariamente restritiva de 3% ao ano, a taxa de juro real seguirá nas nuvens. Esqueçamos o desenvolvimento.