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O economista José Serra escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | Uma reforma que apenas engatinha

Foco parcial da recém aprovada Emenda Constitucional 132 pode agravar problemas que o atual sistema tributário brasileiro já apresentava

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Atualização:

Em que pese todo o júbilo em torno da aprovação da Emenda Constitucional 132, que promove diversas modificações em tributos brasileiros, há sólidos motivos para preocupações em relação aos próximos anos. Primeiro, porque a reforma atinge apenas parte do sistema tributário nacional. Segundo, porque o texto que lhe deu origem apenas fixou elementos gerais, cuja operacionalização, por meio de legislação complementar e ordinária, gerará imensas discussões.

Não se trata de uma reforma tributária, e sim de uma reforma de uma parte do sistema de tributos brasileiro, enfocando os impostos indiretos. Esse foco parcial pode, inclusive, agravar problemas que o atual sistema já apresentava. O maior exemplo é a tributação da folha salarial e as contribuições que a têm como base de incidência. Como o valor adicionado, base do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), é principalmente salário, o novo tributo aumenta o estresse sobre essa linha de incidência, o que é contraproducente tanto para a arrecadação quanto para a geração de empregos.

Adicionalmente, há que admitir que, embora esteja sendo alardeado como um imposto inovador, o IBS/CBS (IVA brasileiro) é um tributo que nasce velho, dado que a ampla expansão da automação em todos os segmentos da atividade econômica implica redução da oferta de empregos. É necessário atentar para o fato de que a nova economia digital gera negócios de muito mais complexidade do que a tributação pelo valor agregado. Teremos um velho IVA, que dificultará a geração de postos de trabalho, sem garantias de uma dinâmica arrecadatória favorável.

Estes, no entanto, não são os maiores problemas da implantação de um novo sistema. Há elementos expressivos para antever turbulências de magnitude. O primeiro aspecto é o rompimento do pacto federativo que a emenda constitucional nos trouxe. Desde sempre o Brasil mantém um equilíbrio instável entre o governo federal, dotado de ampla capacidade de gestão da tributação, e Estados, cujos governadores detêm o comando sobre a administração de importantes tributos, notadamente o ICMS.

O desenho atual da implementação da CBS, num primeiro momento, e do IBS (apenas na sequência e lentamente) abre uma imensa possibilidade de que os governadores tenham de ir a reboque das decisões federais em torno da CBS. Mesmo com Comitê Gestor e legislação unificada, é forçoso apontar que a reforma prevê o esvaziamento da capacidade estadual de comandar suas receitas. Quando isso ficar claro, a tensão em torno da regulamentação da reforma subirá dramaticamente.

O novo tributo promoverá uma imensa reorganização dos preços relativos, dado que a arrecadação atual está condicionada pela administração tributária que, por anos de ajuste das condições de realização de bens e serviços em mercado, definiu um perfil viável de incidência e base de cálculo. Agora, as bases de incidência serão redefinidas e uma alíquota padrão será incidente sobre elas. Os ajustes dos preços irão gerar grande tensão nas estruturas de mercado.

O problema da alíquota é essencial. Talvez seja a primeira vez na história que um tributo vira lei sem que se saiba qual sua alíquota. E não é assim porque isenções e alíquotas preferenciais se puseram – os 25% antes propalados já tinham virado 27%, mas muitos analistas sustentam que deva se situar acima de 33%. Ao mesmo tempo, dificilmente os combustíveis serão mantidos neste patamar, por sua capacidade de geração de recursos.

O novo sistema insere um imenso risco para o cálculo das condições de funcionamento da atividade econômica. O empresário não saberá nem o preço do seu produto nem os preços de insumos até o estabelecimento das alíquotas de referência. Isso para uma série de anos. Análises de crédito para empresas encontrarão a dificuldade de precificar compras e vendas da empresa no período em que a alíquota do tributo será definida anualmente. O mesmo para a avaliação de operações vinculadas a recebíveis ou debêntures.

Todo o processo de construção da emenda foi caracterizado por jogar para a União os grandes encargos da mudança tributária. Os incentivos concedidos pelos Estados viraram um fundo alimentado pelo Executivo federal, sem limite financeiro, por exemplo. Tendo em conta que a legislação complementar enfrentará situações de elevado conflito, a manutenção do mesmo perfil de solução (jogar para a União) poderá produzir uma situação fiscal insustentável para o governo federal.

Por fim, não há como deixar de apontar que a tramitação da reforma, ao contrário do que muitos dizem, não foi uma vitória da democracia. O processo legislativo foi atropelado e isso só pode resultar em novos lances da disputa tributária. Um ponto exprime muito bem a insólita condução do projeto. O saneamento foi retirado do rol de setores com tributação específica, ao que parece, por uma questão de natureza regional. Ou seja, o atropelo deu lugar a uma decisão que prejudica todo o País, notadamente os mais pobres.

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ECONOMISTA

Opinião por José Serra

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