Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Juros, uma grande incógnita

Governo Lula fecha olhos e ouvidos para os sinais de sobreaquecimento da economia brasileira

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

A cada decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) sobre os juros básicos da economia, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) promove pesquisa entre seus associados para avaliar expectativas. Até a amostragem de agosto, a mediana indicava a estabilidade da Selic em 10,50% ao ano até março do ano que vem. Diante do aumento de juros de setembro, por óbvio, os bancos também subiram a régua na pesquisa recente, apontando para 11,75% no fim do ano e 12% até meados de 2025.

Em recente reunião a portas fechadas em São Paulo com três dos nove diretores do BC, economistas do mercado financeiro foram ainda mais austeros ao argumentar que a combinação entre a política expansionista do governo e economia sobreaquecida deve exigir que os juros cheguem a 13% em meados do ano que vem para garantir convergência da inflação para a meta prevista, de 3%. Um deles, como noticiou o Broadcast, classificou de “upgrade fajuto” o aumento da nota do Brasil pela agência de classificação de risco Moody’s.

O aperto monetário promovido pelo BC, que tanto desagrada ao governo Lula da Silva, tem sido recebido com certa naturalidade pelo mercado como um instrumento de contenção da inflação diante de uma política fiscal mais frouxa do que o necessário. Nesse sentido, o “diálogo de surdos” que existe entre o governo e o mercado, como classificou o economista José Roberto Mendonça de Barros, em entrevista a este jornal, ao se referir aos sinais de fraqueza fiscal, seria mais adequado se representasse a surdez do governo diante dos estrondos produzidos pela política de gastança generalizada.

A decisão unânime do Copom de setembro, que deu início ao primeiro ciclo de alta de juros do atual governo, resultou em aumento de 0,25 ponto porcentual, modesto diante do tom duríssimo do comunicado. O BC elevou a Selic a 10,75% e evitou indicações mais firmes de seus próximos passos, diante de indefinições principalmente no cenário doméstico.

Pela amostra dada no encontro entre economistas e diretores do BC, é possível que o cenário que está sendo desenhado pelo governo piore as expectativas em relação ao que será necessário para conter a inflação. O último Relatório Focus, compilado pelo BC, assume um aumento ao fim do ciclo de alta da Selic que já está sendo visto como insuficiente por parte do mercado. Para as duas últimas reuniões do ano do Copom, as apostas tendem a girar em torno de 0,5 ponto porcentual de aumento.

Em entrevista recente ao blog Conjuntura Econômica, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, disse que a projeção para 2024, de impulso fiscal neutro, “talvez não se confirme” por causa da ajuda de R$ 25 bilhões ao Rio Grande do Sul. Citando também o câmbio e o efeito climático sobre os preços dos alimentos e energia, atribuiu a provável frustração a “fatores exógenos”. É o tipo de visão que demonstra que o governo não está apenas surdo, mas também cego ao fato de a economia brasileira estar girando, de forma insustentável, acima de seu potencial.