Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Lei premia a irresponsabilidade

Aprovado pela Alesp, veto à exigência de vacinação contra covid é retrocesso civilizatório e jurídico

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

O governo do Estado de São Paulo foi exemplar no enfrentamento da pandemia, em especial por seu pioneirismo e protagonismo na obtenção da vacina contra a covid. Frente ao desleixo e às confusões do governo Bolsonaro, a administração paulista foi referência segura, em tempos especialmente conturbados, de compromisso com a saúde pública. No entanto, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) parece determinada a manchar o histórico de responsabilidade do Estado de São Paulo. Recentemente, os deputados estaduais aprovaram o Projeto de Lei (PL) 668/2021 que proíbe a exigência de cartão de vacinação contra a covid para acesso a locais públicos e privados no Estado, incluindo escolas do ensino fundamental e médio, cursos técnicos e faculdades.

De autoria da deputada estadual Janaina Paschoal (PRTB-SP), o PL 668/2021 reflete uma compreensão rigorosamente equivocada sobre o Estado e a própria vida em sociedade, como se o cuidado com a saúde pública não pudesse gerar restrições a quem não queira se vacinar contra a covid. O texto aprovado pela Alesp, que merece veto integral do governador, não tem nada de defesa da liberdade individual. O que se pretende é algo inteiramente diferente. O PL 668/2021 almeja uma liberdade sem consequências, o que é uma aberração. Não nega apenas a ciência e a legislação federal (em especial, a Lei 13.979/2020), mas a própria dimensão social da vida humana.

O sofisma pretensamente liberal - em nome da liberdade, o poder público não poderia fixar restrições a quem não quer se vacinar contra a covid - produz a antítese do liberalismo: toda a coletividade torna-se refém de quem optou por um comportamento de risco. É sintomático da confusão dos tempos atuais que a ignorância e a indiferença com o coletivo sejam apresentadas como virtudes cívicas, merecendo lei estadual específica para seu pleno exercício.

Mais do que expressar uma efetiva preocupação coletiva – afinal, os paulistas foram exemplares na vacinação contra a covid –, o PL 668/2021 parece orientado a enfrentar uma portaria da reitoria da Universidade de São Paulo (USP), que exige comprovação do esquema vacinal completo contra a covid para o acesso de professores e alunos aos campi da universidade. Trata-se, como já dissemos neste espaço (USP acerta ao cobrar vacina, 5/10/22), de uma medida correta, que visa a enviar uma mensagem claríssima à comunidade acadêmica e, por extensão, ao resto da sociedade: a saúde de todos será realmente protegida se todos se vacinarem. O mínimo que se pode esperar de quem pretende participar da vida acadêmica é respeito à ciência e cuidado com a comunidade.

O Estado de São Paulo tem muitos desafios, que exigem atenção da Alesp. Brigar com a ciência e com a civilidade não é um deles. Não faz nenhum sentido, especialmente agora – quando são evidentes os resultados positivos da responsabilidade paulista no enfrentamento da pandemia –, que a atual legislatura estadual gaste seu tempo com leis que são puro retrocesso civilizatório, jurídico e sanitário. A liberdade merece melhor compreensão.