Pela segunda vez em menos de uma semana, o presidente Lula da Silva reafirmou sua defesa pública em favor da perfuração de um poço exploratório na Bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, pela Petrobras – mas agora deflagrou uma crise aberta contra o Ibama, o órgão do governo responsável pela concessão do licenciamento ambiental das pesquisas de exploração.
Se Lula já havia revelado a pressão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), informando que o processo será destravado em breve, desta vez ele fez um duro ataque ao Ibama e a seus servidores. “Precisamos autorizar a Petrobras a fazer pesquisa. É isso que queremos. Se depois vamos explorar, é outra discussão. O que não dá é ficar nesse lenga-lenga. O Ibama é um órgão do governo, parecendo que é um órgão contra o governo”, afirmou, em entrevista a uma rádio do Amapá.
Ontem, Lula voltou a defender a pesquisa na Margem Equatorial e garantiu que isso não significa fazer “loucura ambiental”. Mas a cotovelada pública do presidente do dia anterior – correta no conteúdo, imprudente e grosseira na forma – espalhou brasas onde já havia fogo. E não só escancarou o grau de impaciência dentro e fora do governo com a novela arrastada em que se transformou o tema, como também demonstrou que, nessa matéria, sobram desacertos por todos os lados.
Todos vêm errando – Lula, o Ibama (incluindo o presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, e seus técnicos), a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o PT. São eles os protagonistas de um enredo que há muito deixou de ser um embate técnico-ambiental para se tornar uma questão essencialmente política.
Comecemos pelo demiurgo petista. Que o falante Lula tem pouco apreço pelos rituais da gestão pública já se sabe, mas não passou despercebido seu desaforo contra um órgão do governo e servidores de Estado que, no limite, são independentes para emitir livremente seu parecer. O tom desrespeitoso da declaração acabou por abrir uma crise desnecessária numa querela que já poderia ter sido resolvida, além de desabonar o próprio esforço em favor da liberação da licença.
Se é verdade que a decisão de explorar petróleo no mar do Amapá é política, mas que o licenciamento para fazê-lo deve ser essencialmente técnico, também é verdade que a Petrobras já cumpriu todas as exigências apontadas pelo Ibama. Logo, a impaciência de Lula, e não apenas dele, é compreensível.
O que não é compreensível é o fato de a Petrobras esperar 12 espantosos anos para saber se tem o direito de constatar a existência de petróleo na região. Trata-se de tempo longo demais para ser definido como lentidão, e ilógico, a ponto de ser visto como má vontade do Ibama. Enquanto isso, países vizinhos, como a Guiana, fizeram descobertas gigantes, oferecendo uma pista do tamanho dos recursos que podem ajudar a financiar a transição energética de que o Brasil precisa.
Na semana passada, a ministra Marina Silva sublinhou a responsabilidade do Ibama e sua natureza técnica e disse que nem o órgão nem a sua pasta “dificultam ou facilitam processos de licenciamento”. De fato, não cabe aos técnicos dizer se o governo ou a Petrobras devem ou não explorar petróleo, e sim se o projeto está adequado às exigências ambientais.
Afinal, a abertura de uma nova fronteira de exploração é, antes de tudo, uma decisão soberana do Estado brasileiro. Ocorre que as respostas do Ibama até aqui combinaram marotamente exigências técnicas com arrazoados ideológicos em favor da “energia limpa” e contra o petróleo, num evidente desvio de atribuição, além de um ciclo interminável de novas exigências.
Em paralelo, o posto de Rodrigo Agostinho é objeto de desejo da caciquia petista, que vê o Ibama como possível destino para abrigar o atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo – mudança providencial para abrir espaço para a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ocupar a pasta. Isso explicaria em parte a artilharia palaciana contra o Ibama.
Eis aí a tempestade perfeita: um órgão que, com boa dose de contaminação ideológica, protela em demasia uma decisão; uma ministra e um presidente que deixaram a novela se estender para além do razoável; e um partido de olho num cargo que passa a ser o bode expiatório de Lula para justificar a própria inércia. E enquanto todos erram, o Brasil perde tempo e oportunidade.