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Licença para o parafiscal

Desbloqueio determinado pelo TCU a recursos extraorçamentários do Pé-de-Meia é precedente perigoso a um governo como o de Lula, afeito a gambiarras que desafiam o controle fiscal

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Por Notas & Informações
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Menos de um mês após determinar o bloqueio de R$ 10 bilhões do programa Pé-de-Meia, que burla a premissa básica de registrar despesas públicas no Orçamento, o Tribunal de Contas da União (TCU) voltou atrás e, a despeito das advertências explícitas dos auditores técnicos, liberou os recursos para o pagamento do programa. O prazo de 120 dias para que os gastos passem a constar do Orçamento de 2025 parece um mero indicativo, já que o TCU aquiesceu com seu prolongamento caso haja atraso na deliberação da medida pelo Congresso.

Chama a atenção, neste caso, a guinada da Corte ao tratar do programa. Primeiro, corretamente alertou que o modelo de financiamento do programa, com fundos de natureza privada abastecidos por recursos públicos, era apenas um arranjo para driblar o Orçamento. Depois, para justificar a suspensão da medida cautelar que havia dado, identificou “perigo da demora reverso”, nas palavras do presidente do TCU, Bruno Dantas. O ministro Aroldo Cedraz, por sua vez, chegou a falar em “furor social” caso a trava à liberação dos recursos não fosse revogada.

O fato é que o mérito do programa não é – ou não deveria ser – o ponto central da questão. A distribuição de mesada aos estudantes do ensino médio da rede pública para evitar a evasão escolar, assim como a formação de uma poupança ao fim do período para incentivar a participação no Enem e a continuidade dos estudos, é perfeitamente defensável do ponto de vista orçamentário, desde que seja discutida com o Legislativo e caiba na programação de despesas previstas para o ano. Para isso existe a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

A liberação de recursos para um programa social mantido por mecanismos sabidamente parafiscais, mesmo em caráter provisório, abre um precedente perigoso, e é notório o desinteresse do governo Lula da Silva em incluir o Pé-de-Meia na peça orçamentária de 2025, que ainda nem foi apreciada pelo Congresso e cuja votação ficou para depois do carnaval, muito embora o prazo tenha vencido em dezembro passado. Pelos cálculos do governo, o pagamento da poupança estudantil custará R$ 15,5 bilhões, mas só R$ 1 bilhão consta do Orçamento, justamente contando com a manutenção dos gastos paralelos.

O aval “provisório” do TCU ratifica o descumprimento de regras fiscais que minam a credibilidade do arcabouço criado pelo próprio governo para garantir a sustentabilidade das contas públicas a longo prazo, controlar o endividamento e equilibrar receitas e despesas para manter investimentos em educação, saúde e segurança pública. Ressalte-se que não se trata de uma questão que exija soluções emergenciais, como um desastre imprevisto. A evasão escolar constitui, por óbvio, uma calamidade que o País precisa combater, mas sem a necessidade de soluções criativas extraorçamentárias.

Como ação planejada, o Pé-de-Meia poderia ter sido tratado como prioridade educacional entre as políticas públicas federais, mas o governo optou pela pior forma de execução. Em novembro de 2023, editou medida provisória para criar um programa e um fundo para custeá-lo. Depois, um projeto de lei aprovado pelo Congresso trouxe os detalhes da estratégia que burlou o regramento fiscal com o uso dos fundos.

A manobra não passou despercebida dos auditores do TCU ao concluírem que “os recursos provenientes de resgate de cotas do FGO, Fgeduc e Fundo Social são receitas públicas e devem constar do orçamento, em respeito ao princípio da universalidade”. O relatório destaca as consequências deletérias de arranjos do tipo para as contas públicas, “como a perda de credibilidade do arcabouço fiscal, o que acarreta fuga de investidores, desvalorização da moeda frente ao dólar e, consequentemente, aumento da inflação e das taxas de juros”.

Levando em consideração o apreço do lulopetismo por gambiarras fiscais – vide a dotação orçamentária insuficiente do Auxílio-Gás e a proposta inicial de financiá-lo com um fundo abastecido por recursos do pré-sal –, o recuo do TCU é música para os ouvidos de um governo perdulário.