O Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.253/2022, que restringe duramente a concessão das saídas temporárias aos presos de bom comportamento em regime semiaberto. Pode-se dizer que os senadores promoveram um certo avanço humanitário. Afinal, o texto original aprovado pela Câmara previa o fim total das chamadas “saidinhas”, não sua limitação. De qualquer forma, o populismo prevaleceu no debate sobre um projeto que, a bem da sociedade, deveria ter sido discutido à luz das evidências, com mais técnica e menos paixão.
Dito isso, é incontornável reconhecer que o PL 2.253 mexe com as emoções de uma sociedade farta da leniência do Estado para lidar com o problema da violência. O País parece estar de joelhos diante de organizações criminosas cada vez mais perversas. É ultrajante ver agentes públicos se associarem a criminosos numa torpe joint venture delitiva que faz com que milhões de cidadãos se sintam largados à própria sorte. Aí estão as facções do tráfico e as milícias, que ocupam largas porções do território nacional e ali escrevem com sangue as suas próprias constituições.
Esse sentimento foi muito bem captado pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES), cujas credenciais democráticas e humanistas são insuspeitas. Ao votar a favor da restrição das “saidinhas”, Contarato reconheceu que, “diante dessas circunstâncias, não é razoável explicar (a concessão de benefícios penais) para quem teve um filho morto por homicídio doloso”. Pedindo perdão aos colegas de bancada, Contarato sustentou seu voto por entender que o benefício “não passa a sensação, mas a certeza da impunidade” para a população.
Há fundamento nesse desabafo do senador petista. O controle de permissões para as “saidinhas” é falho. Não há dúvida de que têm ido para as ruas em feriados e datas comemorativas alguns presos que jamais deveriam ter o benefício. Entretanto, são casos isolados, que não deveriam servir de base para a continuidade ou a revogação de uma política pública; deveriam, antes, servir ao seu aprimoramento.
É quase certo que o PL 2.253 será aprovado novamente pela Câmara antes de seguir para análise do presidente Lula da Silva. Resta ver se os deputados vão preservar no texto a emenda do senador Sergio Moro (União-PR), que manteve a permissão para as “saidinhas” para presos matriculados em cursos profissionalizantes, no ensino médio ou superior. Mas, independentemente do resultado final, é fundamental refletir se a medida, de fato, contribuirá para o aumento da segurança da sociedade. O castigo estatal tem uma justa dimensão restaurativa, mas também deve ensejar medidas capazes de evitar que os condenados voltem a delinquir quando postos em liberdade.
As “saidinhas”, se bem controladas, têm essa dimensão preventiva. Elas permitem que os presos de bom comportamento – que, diga-se, já desfrutam de certo grau de liberdade por cumprirem pena em regime semiaberto – tenham contato com suas famílias e, assim, sejam acolhidos por mais tempo em um ambiente social diametralmente oposto, por óbvio, à brutalidade dos presídios. Retirar de todos os presos, indistintamente, esse respiro de humanidade tende a aumentar a vulnerabilidade dos que cometeram crimes menos graves ao assédio cada vez mais violento das organizações criminosas que exercem poder de vida e morte intramuros.
O problema da violência deve ser enfrentado com um arcabouço legal mais inteligente. No caso em questão, isso significa aprimorar os controles sobre as “saidinhas”, não acabar com o benefício.
Medidas de ressocialização não são favores prestados aos criminosos. É no melhor interesse da sociedade que elas existem. Não há pena de morte nem tampouco de prisão perpétua no Brasil, o que significa que quem cometeu um crime e foi preso um dia haverá de voltar ao convívio social. Que preso será esse e com que espírito voltará a circular pelas ruas, depende de quanto o Estado está disposto a lhe estender a mão para reconduzi-lo para uma vida digna.