Antecipando-se à adoção do ensino domiciliar, que é uma das principais bandeiras do governo Bolsonaro e deve ser votada pela Câmara dos Deputados ainda neste semestre, o Conselho Estadual de Educação (CEE) emitiu um parecer criando uma série de restrições para sua implantação no Estado de São Paulo e o encaminhou à Secretaria Estadual de Educação, que já o aprovou.
Segundo o parecer, se o projeto for aprovado, em São Paulo as crianças e jovens com idade entre 4 e 17 anos cujos pais optarem por esse modelo de ensino deverão ter, obrigatoriamente, aulas com professores profissionais – ou seja, que preencham os requisitos mínimos exigidos para os docentes das escolas públicas e privadas. Na prática isso significa que eles devem ter formação específica nas disciplinas que lecionarem. Apesar de estudar em casa, as crianças e jovens também precisarão estar matriculados na rede municipal ou estadual de educação. E ainda terão de se submeter a avaliações periódicas nessas escolas, com base nas disciplinas que elas oferecem.
“O sistema de ensino de São Paulo entendeu que era importante dizer o que não será aceito: vai haver supervisão, avaliação e controle. O ensino domiciliar não é uma modalidade em que cada um faz o que quer. As crianças precisam ter a mesma qualidade de ensino. Era importante deixar claro que, se o projeto for aprovado, a regulamentação será feita por Estados e municípios”, afirmou a relatora do parecer, Nina Ranieri, professora da Faculdade de Direito da USP.
Também chamado de homeschooling, o ensino domiciliar é uma reivindicação de grupos conservadores e de entidades religiosas que apoiaram a candidatura de Jair Bolsonaro em 2018. No governo, o ensino domiciliar é defendido pelos ministros da Educação e da Mulher, Família e Direitos Humanos. Mas, como já se tornou rotineiro na desastrosa gestão Bolsonaro na área educacional, o governo até agora não sabe ao certo quantas famílias estão dispostas a aceitar o ensino domiciliar. Num dos Ministérios, a estimativa é de 7 mil famílias. Em outro, de 35 mil.
Na linha oposta ao modelo formal de educação, que obriga os pais a matricular os filhos em escolas públicas ou privadas, esse tipo de ensino prevê que crianças e jovens possam se alfabetizar e estudar sem sair de casa, orientados por familiares ou pessoas de confiança de suas famílias. Para os defensores desse tipo de ensino, ele preserva os valores morais, éticos e culturais da família, pois inibe o contato dos filhos com professores e colegas na escola. Também não expõe crianças e jovens a professores considerados agnósticos e de esquerda ou preocupados com questões de gênero. E ainda permite que essas crianças e esses jovens sejam dispensados de estudar disciplinas que não correspondem às crenças religiosas de seus pais.
Com o homeschooling, os estudos poderiam, por exemplo, priorizar o criacionismo, em detrimento da teoria evolucionista, cuja aprendizagem é prevista pela Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que estabelece as diretrizes das disciplinas que os alunos do ensino fundamental e do ensino médio têm de estudar. Foi justamente por isso que a conselheira Nina Ranieri afirmou em seu parecer que os alunos que estudarem em casa “não podem ser privados do ensino de ciências e de estudar Darwin”.
Esse também é o motivo pelo qual o ensino domiciliar tem sido criticado de modo contundente por educadores de todo o País. A presidente do Conselho Nacional de Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, já declarou que as famílias brasileiras não estão preparadas para ensinar os filhos em casa. Já o presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação, Vitor de Angelo, vem afirmando que a insistência do governo Bolsonaro na adoção do homeschooling é uma “tentativa de deslegitimar o papel da escola”.
Motivadas por críticas como essas, as autoridades educacionais paulistas tiveram o bom senso de estabelecer limites para o ensino domiciliar no Estado, preservando assim a formação das novas gerações.