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Cientista político, autor do livro ‘10 Mandamentos – Do brasil que Somos para o País de Queremos’, foi candidato à Presidência da República

Opinião | A Europa e a reconstrução da ordem mundial

O Plano Draghi é a bússola de que o continente europeu precisa para se tornar uma potência global e assumir o seu protagonismo

Foto do author Luiz Felipe D'Avila

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, destruiu a confiança do mundo nos valores e nas regras que governaram a ordem internacional. A crença nas virtudes do livre-comércio, a garantia da proteção nuclear dos Estados Unidos no caso de um país aliado ser atacado por uma potência nuclear, o dever moral de promover ajuda humanitária para os países pobres, e a importância de cultivar alianças comerciais, diplomáticas e militares para promover a prosperidade econômica, fomentar a liberdade política e garantir relativa paz internacional deixaram de nortear a política norte-americana. Esses valores foram cruciais para o progresso e a relativa paz no mundo desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. O livre-comércio tirou bilhões de pessoas da miséria e permitiu o mais longevo ciclo de crescimento econômico dos países avançados e emergentes; germinou a liberdade e a democracia e derrubou muros que mantiveram nações escravizadas pelas ditaduras comunistas; assegurou a paz entre as grandes potências e conteve a proliferação de armas nucleares. Mas esse período acabou.

O colapso da ordem mundial ressuscitou a era de conflitos. A política protecionista de Trump desencadeará uma nova guerra comercial que vai reduzir o comércio global, diminuir a competitividade do mercado e proteger indústrias ineficientes. Tarifa é um imposto pago pelo consumidor que financia produtos mais caros e de menor qualidade. Ao rifar a Ucrânia, os Estados Unidos demonstraram que não são mais um aliado confiável. Em 1994, a Ucrânia renunciou ao terceiro maior arsenal nuclear do mundo para a Rússia, em troca do compromisso dos Estados Unidos de garantirem a soberania e a integridade territorial do país. Hoje, a Ucrânia luta pela sua sobrevivência. A desconfiança em relação aos Estados Unidos desencadeou uma nova corrida armamentista e nuclear. A União Europeia já aumentou seu orçamento de Defesa; Japão e Coreia do Sul terão de incorporar armas nucleares no seu arsenal para se defenderem. O vácuo de poder deixado pelos Estados Unidos pode ser um convite irresistível para a China invadir Taiwan.

Populistas são craques em transformar o mundo num lugar mais inseguro, perigoso e instável. Não podemos cair nas suas armadilhas e escalar os insultos, apelar para retaliações e adotar medidas reativas que só colaborarão para aumentar a tensão entre as nações. Precisamos agir para evitar que a desconfiança e a imprevisibilidade debilitem a credibilidade da ordem internacional. Caberá à União Europeia liderar esse processo.

A Europa tem três atributos essenciais para assumir a liderança: valores, poder e um plano. A liberdade individual, a democracia, o Estado de Direito e a economia de mercado moldaram a história, a cultura e as instituições da Europa e da ordem mundial. Democracias e ditaduras, povos do Ocidente e do Oriente compreenderam que, por meio da liberdade, da cooperação, da reciprocidade e do respeito aos acordos e às regras do jogo, se forjam os laços de confiança que permitiram o surgimento das cadeias globais de produção, o crescimento do comércio global, a prosperidade das nações, os avanços científicos e tecnológicos e a relativa paz. É inegável a disposição da Europa de defender esses valores e preservar a ordem internacional. Mas a defesa de valores só tem credibilidade se os protagonistas da ordem mundial têm poder para fazer cumprir as regras do jogo.

A União Europeia é o maior mercado global. Trata-se de um mercado de 450 milhões de consumidores e suas exportações representam 50% do PIB, o que revela um alto grau de abertura econômica. A Europa tem uma combinação imbatível de capital humano, poupança, mercado, instituições que podem impulsionar seu crescimento econômico, desenvolvimento tecnológico e reavivar seu espírito empreendedor. Sua moeda é plenamente conversível e pode se tornar uma moeda global capaz de substituir o dólar, se a União Europeia for capaz de criar um mercado de capitais. O poderio bélico da Europa é um dos maiores do mundo e vai crescer significativamente com a determinação da Alemanha de investir em Defesa. A Otan permanecerá a mais formidável aliança militar do mundo, mesmo se os Estados Unidos deixarem de ter nela um papel protagonista. Mas, para atingir o seu pleno potencial, a Europa precisa de um plano.

O Plano Draghi é o caminho para despertar a Europa do seu sonambulismo, abandonar suas idiossincrasias e reassumir a sua liderança global. Concebido pelo ex-presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi, o plano traça um caminho claro para o continente investir no aumento de produtividade, desburocratizar processos, simplificar regras, criar um mercado de capitais europeu e impulsionar o investimento em tecnologia e inovação que permitirão à Europa retomar o caminho do crescimento econômico sustentável, da independência energética e militar. O Plano Draghi é a bússola de que a Europa precisa para se tornar uma potência global e assumir o seu protagonismo na preservação da ordem mundial.

Opinião por Luiz Felipe D'Avila

Cientista político, autor do livro ‘Vire à direita, siga em frente’, foi candidato à Presidência da República

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