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Cientista político, autor do livro ‘10 Mandamentos – Do brasil que Somos para o País de Queremos’, foi candidato à Presidência da República

Opinião | A liberdade e a banalidade do mal

Os Eichmanns de hoje são cidadãos comuns que carecem de pensamento crítico, votam em governos populistas e parecem indiferentes às políticas antiliberais

Foto do author Luiz Felipe D'Avila

Existe um câncer que pode matar a democracia. O nome desse câncer é “apatia política”. Quanto maior o desinteresse do cidadão pela política, melhor para aqueles que se interessam pela política para ocupar o espaço público que o cidadão abandonou. Sindicatos, burocracia, Supremo Tribunal Federal, partidos políticos e governantes se apoderam de um quinhão cada vez maior de poder e de recursos públicos para criar privilégios e benefícios para o corporativismo público e privado, se apoderar do debate público, estabelecer leis e regras que visam a cercear a liberdade individual e aumentar o poder arbitrário do Estado para intervir na economia, na vida social e na privacidade individual.

A apatia política corrói os pilares da democracia e da liberdade. Reduz a participação cívica às manifestações histéricas nas redes sociais; transforma a beleza da pluralidade de ideias e opiniões em pecado capital contra a verdade “oficial” do Estado; limita a liberdade econômica aos mandamentos do capitalismo de Estado; destrói a teia de crenças, costumes, história, cultura e tradições que nos une como nação; e pavimenta o caminho para a frustração com a democracia e a ascensão do populismo e do autoritarismo.

Nesse âmbito de apatia cívica, surge a “banalidade do mal”, como identificou Hannah Arendt, a grande filósofa do século 20. Na democracia, o mal que destrói a política não é o plano demoníaco de um governante, mas a irreflexão e a inação política do cidadão. Ao presenciar o julgamento de Adolf Eichmann, um oficial nazista que mandou judeus para os campos de concentração, Arendt não detectou traços psicóticos de um monstro. O aspecto assustador de Eichmann era justamente sua aparência de um cidadão comum, alienado da política e fiel cumpridor de ordens que queria agradar seus superiores para ser promovido. O cumprimento mecânico de ordens e de decisões governamentais, dissociado do senso moral, do pensamento crítico e da responsabilidade pessoal pelas próprias escolhas e pelo destino da comunidade, representa a maior ameaça à liberdade e à democracia.

A ausência do pensamento crítico dinamita o senso de responsabilidade cívica. Ao renunciar a sua participação ativa na esfera pública, o cidadão torna-se alienado da vida política. A alienação política nos transforma em cínicos e descrentes da vida pública. Perde-se o senso de dever moral pelo destino da comunidade e o elo de pertencimento e de empatia pelo outro. A política não é mais percebida como um fim para manter a ordem, limitar o poder do governo e garantir a liberdade, a democracia e o Estado de Direito no país.

Os Eichmanns de hoje são cidadãos comuns que carecem de pensamento crítico, votam em governos populistas e parecem indiferentes às políticas antiliberais que vêm cerceando a liberdade de expressão, ressuscitando o desastroso intervencionismo estatal na economia e debilitando o funcionamento das instituições democráticas. Esses cidadãos não se sentem responsáveis pelo destino da Nação e tampouco se incomodam com decisões arbitrárias que reduziram o seu papel cívico a duas obrigações básicas: votar e pagar imposto. Aqueles que votaram em Lula da Silva por considerá-lo o “mal menor” não se sentem responsáveis pelas falas absurdas do presidente da República e por suas decisões que colocam em risco as reformas políticas, o crescimento econômico e a confiança no País. As sementes do autoritarismo são semeadas por cidadãos que se conformam com os atos arbitrários do Estado; “o que me incomoda”, dizia Hannah Arendt, “não é o comportamento dos nossos inimigos, mas dos nossos amigos que não fizeram nada para evitar o atual quadro das coisas”.

A eleição municipal é uma ótima ocasião para recuperarmos a chama do espírito cívico. Não podemos nos iludir com candidatos cujas propostas “inovadoras” não condizem com sua atuação política e seu histórico de votação e de decisões na arena política. Se quisermos salvar a liberdade e a democracia das garras do populismo, precisamos partir para a ação política, ocupar o espaço público e honrar o nosso voto, avaliando criteriosamente a atuação e as propostas dos candidatos para evitar a escolha utilitária do mal menor.

Está na hora de os cidadãos de bem acordarem e agirem na arena pública. Tire o traseiro do sofá e faça algo pelo Brasil. Ocupe os espaços públicos na comunidade e nas associações; nos partidos e nos governos. Se engaje na defesa da liberdade e da democracia e combata a intolerância, o radicalismo e a ignorância que fomentam políticas antiliberais. Não se cale e não seja indiferente à política e ao destino do País. Busque sempre a fazer a coisa certa, defender a verdade e os fatos do assalto das narrativas de militantes políticos e de governantes irresponsáveis. Como disse o presidente norte-americano John Kennedy, “não pergunte o que o seu país pode fazer por você; pergunte o que você pode fazer pelo seu país”. O seu voto e as suas escolhas determinarão o Brasil que seremos amanhã – para você e para nossos filhos.

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CIENTISTA POLÍTICO, AUTOR DO LIVRO ‘10 MANDAMENTOS – DO PAÍS QUE SOMOS PARA O BRASIL QUE QUEREMOS’, FOI CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Opinião por Luiz Felipe D'Avila

Cientista político, autor do livro ‘10 Mandamentos – Do brasil que Somos para o País de Queremos’, foi candidato à Presidência da República

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