Em artigo recente no Estadão (OCDE: menos ideologia e mais pragmatismo, 14/5/2024), o embaixador Rubens Barbosa fez um apelo por “menos ideologia e mais pragmatismo” a propósito da adesão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “A questão do Brasil na OCDE tem de ser tratada como estratégia de Estado.” É um modo diplomático de advertir que a aparente decisão de manter o Brasil fora da OCDE não é uma estratégia de Estado, e sim uma estratégia do lulopetismo.
A OCDE é um fórum de políticas públicas baseadas em evidências. O Brasil iniciou seu processo de adesão em 2022. Esse processo implica compromissos em áreas como ambiente regulatório, segurança jurídica e governança política, garantias institucionais que conferem um “selo de qualidade” e facilitam acordos internacionais. O Ipea estima que o ingresso agregaria anualmente 0,4% ao PIB.
Barbosa listou ativos geopolíticos: “O Brasil estaria participando e influindo na definição de políticas econômicas, comerciais, sociais e ambientais que são discutidas e aprovadas no âmbito da OCDE e que são aplicadas internacionalmente, mesmo por países de fora da OCDE”. Num cenário de tensões econômicas e internacionais, o governo “poderia reforçar sua posição como um canal confiável de comunicação e de influência na definição de políticas que poderiam interessar a todos no Sul Global e entre os países desenvolvidos”. O Brasil seria o primeiro membro simultaneamente da OCDE e do Brics, e a participação no primeiro bloco compensaria a diluição da influência no segundo após seu alargamento. “As prioridades que o governo brasileiro elegeu para as discussões no G-20 – transição energética, combate à fome e à pobreza e nova governança global – poderiam ganhar o apoio da OCDE”, escreveu o diplomata.
O Brasil está entre as maiores economias do mundo e é a segunda maior democracia do Ocidente. Entre os postulantes, o País já tem os maiores índices de aderência às convenções da OCDE. O ingresso seria natural e acarretaria muitos prós e nenhum contra.
Mas muitos dos bônus para o Estado brasileiro são um ônus para o PT. A adesão implica compromissos de governança sobre o grau de interferência do Estado na economia; isonomia em licitações e compras públicas, para permitir a participação de empresas estrangeiras; ou padrões de controle da taxa de juros, de câmbio e de tributação de capital estrangeiro. Se há um ônus, é para políticos demagogos e empresários clientelistas. Não por coincidência, o governo lulopetista tenta minar marcos recentes que se aproximam dos padrões da OCDE de racionalização e moralização da governança pública, como a autonomia do Banco Central ou as leis das Estatais e das Agências Reguladoras.
Mas além desse “pragmatismo” peculiar, Lula e seus companheiros têm razões ideológicas e até psicológicas para devolver a adesão do Brasil à geladeira onde ficou em todas as gestões petistas. A OCDE é conhecida como o “clube dos ricos”, e de fato é: seus 38 membros respondem por mais de 70% do PIB mundial e 80% do comércio e investimentos. Como se sabe, na mitologia lulopetista “rico” é o opressor.
A própria OCDE, porém, se define como “uma comunidade de nações comprometidas com os valores da democracia baseada no estado de direito e nos direitos humanos, e com a adesão aos princípios de uma economia de mercado transparente e aberta”. Nem todos os membros são ricos. México, Chile, Costa Rica e Colômbia já fazem parte; Peru, Argentina, Indonésia e Tailândia querem fazer. Emergentes podem entrar. Autocracias não, por mais ricas que sejam.
A rigor, trata-se de um clube de democracias liberais, com os melhores índices de liberdade econômica, civil e política. Não por coincidência, são também países mais igualitários, com melhor distribuição de renda e serviços públicos. A riqueza é consequência. Na essência, a OCDE é uma “frente ampla democrática” internacional que tende a reforçar o Estado de Direito e o pluralismo político em seus membros. Talvez seja justamente por isso que o PT tanto resiste à ideia de integrá-la.