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Lula descobre que existem bandidos

Presidente percebe que a segurança é tema que dá e tira votos e resolve finalmente endurecer o discurso contra bandidos – aqueles que o PT sempre considerou vítimas de ‘injustiça social’

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Por Notas & Informações
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Tisnado pela impopularidade, com índices de aprovação empurrados ladeira abaixo e lá permanecendo, o presidente Lula da Silva parece que finalmente descobriu o quão grande é a sensação de insegurança na população brasileira – e que esse não é um problema restrito apenas ao eleitorado mais conservador. A segurança pública, como se sabe, é uma área na qual nem o governo nem a esquerda nem muito menos o PT têm o que mostrar. Recentemente, porém, durante evento no Ceará, em que protagonizou uma de suas muitas inaugurações palanqueiras, Lula afirmou que não permitirá que a “república de ladrões de celular comece a assustar as pessoas nas ruas deste país”.

A retórica de vingador mascarado, própria de gibis de super-heróis, não orna bem nem com um presidente da República, que não tem entre suas atribuições cuidar da segurança dos cidadãos, nem com um integrante do PT, partido que jamais se preocupou de verdade com isso. Ademais, a “república de ladrões de celular” já é conhecida de todos os brasileiros que vivem nas grandes metrópoles. Logo, Lula chegou tarde ao debate.

Roubo e furto de celulares são hoje os crimes que mais preocupam os cidadãos quando questionados sobre violência urbana, crimes esses que ocorrem de forma democrática, afetando todas as classes sociais. Em alguns casos, como o de São Paulo, há também um notável crescimento nos índices de latrocínio (roubo seguido de morte).

Já faz tempo que o roubo e o furto de celulares resultavam apenas em prejuízo financeiro. Especialistas lembram que os aparelhos viraram fonte de devassa na vida da vítima. Enquanto esta perde um patrimônio de valor e o seu sigilo bancário, bandidos acessam dados pessoais e podem realizar movimentações financeiras e realizar compras com cartões cadastrados. Tudo isso amplifica a sensação de insegurança. Além de São Paulo, números crescentes são registrados em capitais como Salvador e Rio de Janeiro.

Lula descobriu o que sucessivas pesquisas já apontavam desde o ano passado: a maioria dos brasileiros vê piora na segurança pública. Em março de 2024, 79% dos entrevistados em enquete da Quaest sentiam que a violência no Brasil havia piorado nos 12 meses anteriores. O Datafolha também registrou, ao longo daquele ano, a volta da segurança pública ao topo das preocupações nas capitais. Não se viu reação governamental significativa, apenas uma tentativa tímida do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, de transmitir algum movimento na área. Até aqui, deu no que deu: em nada.

Agora há registros na imprensa descrevendo o esforço de auxiliares do presidente para convencer o chefe de que, assim como a inflação, a segurança pública é um problema que também prejudica a imagem do seu governo, ainda que seja atribuição dos Estados. Como o único problema que Lula de fato conhece é a sua popularidade (e a próxima eleição à vista), ele resolveu agir – ao seu estilo: com bravatas e campanha publicitária. No mesmo palanque no Ceará, o presidente disse que “lugar de bandido não é na rua assaltando, assustando e matando as pessoas”, numa fala calculada para tentar convencer o eleitorado de que pode enfrentar a direita nesse terreno. Além do discurso, o governo também promete, ora vejam, mais uma campanha, provisoriamente focada no “Celular Seguro”, aplicativo do Ministério da Justiça que ajuda a bloquear e localizar celulares perdidos ou roubados.

Ao jornal O Globo, o deputado Jilmar Tatto, secretário nacional de Comunicação do PT, escancarou a estratégia: “O PT até agora não achou embocadura para esse tema, mas o governo, depois de muitos debates, não está mais tendo essa confusão. Bandido tem que ser julgado e ir para cadeia, cara que rouba tem que ser julgado e pagar pelo que fez, sendo pobre ou rico. Essa é a mudança conceitual e de comportamento do ponto de vista de como tratar o tema e a linguagem”. Bem, antes tarde do que nunca: para um partido que sempre atribuiu o crime às “injustiças sociais”, chamar bandido de bandido é um progresso e tanto.