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Lula e os ovos

O presidente diz que tem ‘obsessão por alimento barato’ e quer convocar atacadistas para baixar o preço do ovo. Obsessão, mesmo, o petista tem pela ideia de que preços caem por seu desejo

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Por Notas & Informações
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A inflação dos alimentos está disseminada, como tem verificado o IBGE ao coletar os preços que compõem o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Apesar da desaceleração recente, com o recuo do IPCA de 0,52% em dezembro para 0,16% em janeiro, a alta dos alimentos manteve o ritmo forte de espalhamento, como mostra o porcentual de itens com aumentos de preços (índice de difusão), que passou de 69% em dezembro para 71% em janeiro.

A dispersão cada vez maior de reajustes promove um revezamento feérico dos vilões da inflação, que surgem com variações anuais de preços de dois dígitos, ora a carne, ora o café, ora o óleo de soja, ora o leite e, mais recentemente, o ovo. Para cada um deles, o presidente Lula da Silva parece ter uma solução mágica, que geralmente passa pela convocação de atacadistas e varejistas para convencê-los a baixar os preços. Lula se diz genuinamente surpreso a cada informação sobre um novo “vilão”.

“Quando me disseram que está R$ 40 a caixa com 30 ovos, é um absurdo mesmo. Vamos ter que fazer uma reunião com os atacadistas para discutir como podemos trazer isso para baixo”, esbravejou o presidente em uma de suas mais recentes participações em programas de rádio. Lula age como um animador de auditório tentando convencer o público de que é capaz de resolver na lábia questões críticas como a inflação. Há alguns dias, discursando em um palanque no Amapá, chegou a sugerir o consumo de ovos de pata ou de ema, tratando com escárnio um problema que afeta a vida de muita gente.

A redução no ritmo da inflação em janeiro foi extemporânea, causada, como se sabe, pelo bônus da energia da usina de Itaipu, que reduziu pontualmente as contas de luz. Nos alimentos, a carestia continuou e, de acordo com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), em janeiro, a cesta de 35 produtos de largo consumo nos supermercados ficou 9,29% mais cara em relação a janeiro do ano passado; para a cesta básica de 12 produtos a alta foi ainda mais relevante: 12,89%. A tendência para 2025, de acordo com especialistas, é de que a inflação dos alimentos se espalhe ainda mais, principalmente a partir do segundo semestre, mas o governo continua tentando saídas espetaculosas – afinal, Lula disse que tem “obsessão por alimento barato”.

O ministro de Desenvolvimento Social, Wellington Dias, chegou a citar o Plano Safra, com incentivo a produtores de alimentos com alta de preços mais elevada, como uma das alternativas em estudo para conter a inflação. Horas depois, o Tesouro anunciaria a suspensão de novas contratações de financiamentos subvencionados nas linhas do Plano Safra por insuficiência de recursos diante do “aumento relevante nos gastos por conta da elevação da Selic”. O Orçamento deste ano ainda não foi votado pelo Congresso, o que reduziu ainda mais a disponibilidade de verba.

Lula diz que a culpa é da “dolarização” dos preços internos. No caso do preço do ovo, lembrou que as exportações para os Estados Unidos cresceram e insinuou que os preços em dólar são usados como referência doméstica. Também já havia dito algo semelhante sobre a carne. Na prática, o presidente quer que os produtores e comerciantes de alimentos não levem em conta o câmbio ao formar seus preços, o que é obviamente um disparate.

Para Lula, como sempre, a responsabilidade pela inflação é dos outros – dos revendedores de combustíveis que “assaltam” o consumidor, dos produtores que repassam para seus preços as variações do dólar e do aquecimento global. Mas o vilão da inflação, hoje, não é o ovo: são as falas desastradas de Lula, aquelas que fazem o dólar subir, e sua obsessão por manter e até aumentar os gastos públicos, que pressionam os juros e desestimulam a produção.

O governo não tem como fazer baixar a inflação com conversa, como anunciou Lula. Os empresários certamente não se deixarão hipnotizar pelo petista e continuarão a repassar para seus preços os custos cambiais. Mas Lula precisa dar a impressão aos eleitores de que está preocupado com a alta dos alimentos e dos combustíveis. É o melhor jeito de tentar esconder o fato incontornável de que o terceiro mandato de Lula nada tem a oferecer, em nenhuma área relevante.