Lula da Silva é um sujeito de sorte, não há como negar. Eleito para seu terceiro mandato na Presidência da República quando o ponteiro da bússola econômica mundial apontava para um período de recessão longo e penoso, ele chega ao fim do primeiro semestre de governo diante de uma nova realidade. A recessão não saiu do radar, mas vem sendo postergada, para alívio geral, especialmente nas duas economias de maior peso: Estados Unidos e China.
Impossível avaliar agora a duração desse desafogo, mas o simples fato de estar ocorrendo já é suficiente para revisar para cima expectativas para a nossa economia. Conforme destacou reportagem do Estadão, o quadro externo surpreendentemente mais positivo do que se esperava deve levar a um saldo recorde na balança comercial brasileira, com superávit superior a US$ 70 bilhões, e carimbar com o selo de recorde o desempenho de 2023.
Em janeiro, o relatório Perspectivas Econômicas Globais, do Banco Mundial, alertava para o risco iminente de o mundo enfrentar duas recessões numa mesma década. Não seria algo inédito, mas um fato raro, dado que o último registro semelhante ocorreu há mais de 80 anos. Estávamos, no início deste ano, a um passo do precipício. Bastava carregar um pouco nas cores do cenário adverso, como numa ameaça de recidiva da pandemia de covid, por exemplo, para que a recessão global se materializasse.
Naquela ocasião, as estimativas giravam em torno de uma desaceleração generalizada do crescimento econômico, com revisões para baixo para a quase totalidade das economias avançadas. A previsão do crescimento mundial era de 1,7% em 2023. Neste mês o relatório foi recalibrado e a projeção para o PIB mundial aumentou 0,4 ponto porcentual, para 2,1%. Ainda que represente uma angustiante lentidão na marcha econômica e um recuo ante a taxa de 3,1% de 2022, já é um respiro.
Consultores, analistas e economistas ainda se debruçam sobre o que estaria causando esse fenômeno na atividade, mesmo em meio à queda de confiança de investidores e consumidores neste retorno à normalidade pós-covid. Que essa tarefa fique com eles, para esquadrinhar, com a expertise que detêm, os fatores movimentadores da economia. Para o Brasil, mais importante do que identificar as razões para a melhora das perspectivas é saber aproveitar a chance posta diante de nós.
A conjuntura interna – a despeito dos atropelos políticos que colocam na berlinda o modus operandi de Lula versão 3 – apresenta avanços importantes, como a aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto do arcabouço fiscal e a apresentação do relatório preliminar da reforma tributária. São medidas imprescindíveis para estabelecer um eixo norteador do desenvolvimento econômico.
Some-se a isso o PIB empurrado pela agropecuária no primeiro trimestre, o desempenho inflacionário abaixo do que se esperava no IPCA de maio e o câmbio sem sobressaltos, e está pavimentado o caminho para adoção de medidas seguras para o crescimento. Mas, apesar da cena interna relativamente sob controle e dos sinais vindos do exterior, o governo insiste em passar uma imagem de desorientação.
Quando dá mostras de saudosismo descabido, tentando reeditar medidas que não fazem mais sentido para a economia, como o malfadado “carro popular”, ou apresentar-se como liderança mundial reeditando o discurso mofado da guerra fria, Lula mostra que navega as águas turbulentas de 2023 com a lanterna na popa.
Sorte é ótimo. Mas de pouco adianta se não vier acompanhada das escolhas certas. Nos últimos anos o País foi “governado” (aspas necessárias) por Jair Bolsonaro, um dos presidentes mais despreparados da história – e, para piorar, azarado, pois enfrentou uma pandemia e uma guerra. Mas, como ensina Maquiavel, o bom governante é aquele capaz de montar estratégias (virtù) para não ficar à mercê das circunstâncias (fortuna). Por indolência, Bolsonaro não teve virtù e viu-se atropelado pela fortuna. Espera-se que Lula tenha aprendido com Maquiavel e Bolsonaro que não se deve governar contando somente com a sorte.