Em menos de seis meses de governo, o presidente Lula da Silva, aquele que supostamente veio para “salvar a democracia” no País e resgatar a decência no exercício da Presidência da República, tem revelado a mesma hostilidade visceral ao trabalho da imprensa profissional e independente que seu antecessor no cargo, Jair Bolsonaro. Para fugir de perguntas após solenidades no Palácio do Planalto, mas não só lá, Lula tem mobilizado sua equipe de segurança, formada por policiais federais e agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para cercar jornalistas, literalmente, e dificultar o acesso desses profissionais a ele e a outras autoridades, mesmo após o término dos eventos oficiais.
A ojeriza de Lula à liberdade de imprensa é uma velha conhecida dos jornalistas que honram o ofício, ou seja, aqueles que não se deixam seduzir pela parolagem dos poderosos de turno e se põem diante deles com firmeza e coragem para fazer as perguntas incômodas. Mas havia a expectativa, alimentada pelo próprio Lula enquanto candidato, de que, superado o insalubre período do governo Bolsonaro, o presidente retomaria uma relação mais civilizada com os jornalistas. Em geral, não é o que tem sido visto. Lula se mostra disponível para responder às perguntas quando e de quem ele quer, como se não estivesse obrigado pela Constituição a governar com transparência quase absoluta.
Jornalistas são tolhidos no exercício da profissão pelas mais diversas maneiras – e não é de hoje. Mas, não custa lembrar, a violência maior no cerco à imprensa é sempre cometida contra a sociedade, que, ao fim e ao cabo, se vê privada das informações que governantes preferem manter ao abrigo da luz.
Nem Lula nem qualquer presidente, antes ou depois dele, têm o direito de limitar o trabalho da imprensa, seja da forma que for. A transparência no exercício do múnus público é uma obrigação constitucional que pesa sobre os ombros de qualquer servidor ou mandatário. Quem não está disposto a carregar o fardo do escrutínio incessante – ainda que firme, jamais malcriado –, que nem se aventure a ingressar no serviço público ou a disputar uma eleição. Além de se tratar de garantias asseguradas pela Lei Maior, transparência e liberdade de imprensa são atributos comezinhos do regime democrático. Voltar-se contra eles costuma ser bastante revelador sobre a alma liberticida que habita nos democratas de fancaria.
Jornalistas não são gado para serem contidos por grades, sejam elas físicas ou simbólicas. O desatino desse cercadinho imposto por Lula, do qual o País parecia estar livre passada a eleição, pôde ser testemunhado após a cúpula de presidentes da América do Sul, realizada no Palácio Itamaraty há poucos dias. Terminada a reunião, um grupo de jornalistas tentou se aproximar do ditador venezuelano, Nicolás Maduro, e foi brutalmente contido por seus jagunços, especializados em repelir jornalistas que ousam questionar o caudilho, e por agentes brasileiros. Na confusão, a jornalista Delis Ortiz, da TV Globo, foi agredida com um soco no peito desferido, segundo ela, por um agente a serviço do GSI. Mais que um absurdo, um crime que há de ser rigorosamente apurado.
A contenção é direcionada aos jornalistas. Isso fica comprovado quando se nota que o cercadinho, montado pelo GSI a pretexto de “proteger” as autoridades durante as solenidades oficiais, não impede, ora vejam, que blogueiros simpáticos ao governo, militantes petistas e apoiadores do presidente se aproximem tanto de Lula como da primeira-dama Janja da Silva e de ministros de Estado para cumprimentá-los e tirar fotos.
Não é de agora que o PT e Lula, em particular, são obcecados pela ideia de uma imprensa encabrestada. Volta e meia os petistas regurgitam seu plano de instituir no País o que chamam de “controle social da mídia”, um eufemismo nada sutil para censura. O partido jamais lidou bem com a liberdade de imprensa. O sonho dos petistas é um jornalismo sabujo, achado no chão. Bem, no que depender deste jornal, jamais o terão.