O Brasil completou um ano de covid-19 com economia emperrada, comerciantes inseguros, consumidores inquietos, inflação acelerada e juros em alta. Com vendas baixas e futuro enevoado, o Índice de Confiança do Comércio (Icom) despencou em março para 72,5 pontos, o nível mais baixo desde maio do ano passado (67,4 pontos), segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com aumento do contágio e recordes sucessivos de mortes, restrições à circulação vêm sendo decretadas em vários Estados e municípios. Esse é um forte sinal de novas perdas para vários segmentos do varejo, como já indicou, por exemplo, o presidente da federação das distribuidoras de veículos (Fenabrave), Alarico Assumpção Jr., em entrevista ao Estado.
Diante do recrudescimento da pandemia, do colapso do sistema de saúde em várias cidades e das precárias condições de emprego, também o consumidor exibe insegurança e temor, como nos momentos mais difíceis de 2020. Seu índice de confiança, igualmente medido pela FGV, caiu para 68,2 pontos, a pior marca desde os 62,1 pontos atingidos em maio do ano passado.
É como se boa parte da recuperação vivida em quase um ano de repente sumisse. Para comerciantes e seus clientes, a vida seguiu caminho muito diferente daquele imaginado pelo governo, quando elaborou o projeto de Orçamento e decidiu a redução e, em seguida, a suspensão das medidas de sustentação da economia. A equipe econômica programou 2021 como se os grandes problemas devessem sumir na madrugada do réveillon. A aposta foi errada.
As coisas vão mal e assim continuarão nos próximos meses, segundo as avaliações dos dois grupos. Ao desconforto diante das condições imediatas soma-se o pessimismo em relação aos meses seguintes. No caso do comércio, o Índice de Situação Atual baixou 10,6 pontos e chegou a 75,9, enquanto o Índice de Expectativas diminuiu 25,7 pontos, até 70,2. Esses níveis também são os mais baixos desde maio, quando as vendas começaram a se recuperar. No caso dos consumidores, o Índice de Situação Atual caiu 5,5 pontos, para 64, e o Índice de Expectativas diminuiu 12,3 pontos, para 72,5.
A perda de confiança foi manifestada, na pesquisa, por pessoas de todas as faixas de renda, segundo a FGV. Mas a piora do humor foi menos percebida nos consumidores mais endinheirados. No grupo com renda mensal superior a R$ 9.600, o recuo de fevereiro para março chegou a 7,6 pontos, para 77,9. Nas três faixas inferiores, atingiu 11,8 pontos, 10 e 11. Nos dois mais baixos, o indicador ficou abaixo de 65 pontos (63,5 e 63,9).
É fácil entender a maior insegurança dos menos abonados, aqueles com menor ímpeto para compras, segundo a pesquisa. O relatório da pesquisa poderia ter acrescentado: esses consumidores enfrentam as piores condições de trabalho, têm o orçamento menos flexível e são os mais afetados pelas altas de preços. A inflação tem complicado a vida de todos os consumidores e os mais prejudicados são aqueles com menores ganhos.
O impacto diferenciado fica bem claro quando se analisa a inflação por faixa de renda. Seis faixas são consideradas na análise mensal produzida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Nos 12 meses até fevereiro, a inflação das duas classes de renda mais baixas superou 6% (6,75% e 6,18%, respectivamente), enquanto a do grupo mais endinheirado ficou em 3,43%. Isso se explica, em boa parte, pelo encarecimento da comida, item de maior peso no orçamento das famílias mais modestas. Os preços da alimentação subiram menos em fevereiro, mas essa variação, embora relativamente pequena, teve como base preços já muito aumentados nos meses anteriores.
Diante da inflação em alta e da piora das expectativas em relação aos preços, o Banco Central (BC) anunciou há poucos dias um aumento dos juros básicos de 2% para 2,75% ao ano. Segundo o BC, a recuperação econômica será mais forte no segundo semestre e isso será facilitado pelo avanço da vacinação. Pode ser, mas consumidores e comerciantes mostram-se cautelosos. Resta torcer para se confirmar a previsão do BC.