Parte dos efeitos de guerras e perseguições tem sido refletida nas estatísticas anuais divulgadas pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Os dados de 2022, conhecidos no último dia 16, não poderiam ser mais dramáticos. O número de pessoas deslocadas de seus locais de origem aumentou em 19 milhões nesse período, o que elevou a estimativa dos que vivem nessa condição a 108 milhões. Para ter uma dimensão, esse universo equivale à população dos Países Baixos.
Esse contexto desafia o arcabouço internacional de direitos humanos construído nos últimos 70 anos e expõe um dado ainda mais grave. Segundo o relatório da Acnur Tendências Globais, elaborado com base nas estatísticas anuais fornecidas pelos países das Nações Unidas, 40% dos 108 milhões de deslocados são compostos por crianças, grupo mais suscetível à violência extrema. Elas somam 43,2 milhões.
Segundo a estimativa da Acnur, 62,5 milhões de pessoas foram obrigadas a se deslocar dentro de seus próprios países, enquanto 35,3 milhões refugiaram-se no exterior, sobretudo em países vizinhos, a maioria deles tão pobres como os de origem. Outros 5,4 milhões de pessoas solicitaram a autoridades estrangeiras o status de refugiado – grupo que aumentou em 2,6 milhões somente em 2022.
O quadro de 2022 mostrou-se afetado sensivelmente por velhos conflitos na África e no Oriente Médio, somados a outros recentes, como o da Ucrânia. Também evidenciou as terríveis condições de sobrevivência em países submetidos a regimes autoritários, como a Venezuela, e naqueles em que há perseguições continuadas contra minorias étnicas, religiosas, de gênero e orientação sexual, como Afeganistão e Mianmar.
A guerra da Rússia contra a Ucrânia respondeu por 61% dos 19 milhões de deslocados em 2022. Os ucranianos forçados a fugir de seus lugares de origem somaram 11,6 milhões, dos quais 5,9 milhões se mudaram para outras regiões do país. A parcela de 5,7 milhões restantes procurou abrigo no exterior, sobretudo na Polônia e na República Checa. Nas Américas, o total de deslocados cresceu 17% em 2022 ante o ano anterior.
É importante ressaltar que os números da Acnur refletem as histórias de busca pela sobrevivência que tiveram o desfecho esperado. Os 108 milhões de deslocados alcançaram um local onde a vida é possível. Nem sempre é assim. O naufrágio de embarcação de pesca precária e sobrecarregada de migrantes na costa da Grécia, no último dia 14, faz parte de uma série de tragédias que tornaram o Mediterrâneo um “mar da morte”. Deixou 79 mortos.
Ao comentar o relatório, o alto comissário das Nações Unidas para Refugiados, Filippo Grandi, afirmou o óbvio: faz-se necessário um maior esforço para selar a paz e impedir que novas guerras venham a ocorrer, ou então não haverá chances de regresso. As estimativas da Acnur para 2023, porém, já consideram conflitos para os quais não há esperança de solução em breve. A agência prevê mais 35,4 milhões de deslocados neste ano. Parte deles, certamente, sem esperanças de voltar ao lar.