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Mais um ano de inflação fora da meta

Pior do que a inflação elevada no ano passado é a perspectiva de que os preços continuarão a subir neste ano e a certeza de que o governo não fará sua parte para evitar o aumento dos juros

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Por Notas & Informações
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Sem novidades, a inflação encerrou o ano passado em 4,83%, rompendo a meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional, de 3%, bem como seu limite superior, de 1,5 ponto porcentual (p.p.). O fato de que o índice não ultrapassou os 5% certamente trouxe alívio ao governo, que, como esperado, minimizou o resultado e o atribuiu à seca. O problema, no entanto, está na tendência, longe de trazer tranquilidade a quem quer que seja.

De fato, os alimentos foram os vilões do IPCA, e muito disso se deve a fatores climáticos como o El Niño, as enchentes no Rio Grande do Sul e a estiagem em diversas outras regiões. Grupo de maior peso na inflação medida pelo IBGE, alimentação e bebidas subiu 7,69% no ano passado e contribuiu com um terço do índice oficial. O café aumentou impressionantes 39,6%; as carnes, 20,84%; o leite do tipo longa vida, 18,83%; e as frutas, 12,12%.

Com a perspectiva de uma safra melhor neste ano, o comportamento dos itens alimentícios deve arrefecer um pouco, mas tudo indica que permanecerá acima da inflação geral. Se os alimentos fossem o único problema, o governo realmente teria motivos para comemorar, mas há muitas razões para colocar as barbas de molho. Todos os outros oito grupos que compõem o IPCA também registraram aumento de preços no ano passado, em especial saúde e cuidados pessoais, influenciado pelos planos de saúde e produtos farmacêuticos, e transportes, puxado pelo preço da gasolina e do etanol.

Já no mês passado, o IPCA subiu 0,52%. Foi o resultado mais baixo para o mês desde 2018, mas sua composição veio pior do que se esperava. O índice de difusão mostrou que 69% dos itens monitorados pelo IBGE tiveram alta em dezembro, maior nível desde maio de 2022. Oito dos nove grupos que compõem o IPCA subiram. Os núcleos, que desconsideram distúrbios decorrentes de choques temporários, também se elevaram – tanto no caso de serviços, pressionados há meses em razão da demanda aquecida, quanto no de bens industriais, consequência da desvalorização cambial registrada nas últimas semanas do ano.

A percepção geral de que tudo subiu de preço é real, e a sensação de que os aumentos vão continuar também é. Há razões para se preocupar. O IGP-M, índice de inflação calculado pela Fundação Getulio Vargas que é referência para o reajuste de aluguéis, fechou o ano em 6,54%. Diferentemente do IPCA, mais estável e que acompanha o consumo das famílias, o IGP-M é um índice mais volátil e reflete os preços do atacado e do dólar. Apesar disso, no médio e longo prazos, as curvas dos índices tendem a convergir.

Não por acaso, bancos e corretoras projetam que o IPCA continuará pressionado no primeiro semestre deste ano, sobretudo em razão dos serviços. No mais recente Boletim Focus, a mediana das projeções para a inflação em 2025 foi de 4,99%, na 12.ª semana consecutiva de alta, e há quem estime que o IPCA encerrará o ano em 6%.

Nesse cenário, para o Banco Central (BC), ter de escrever uma carta ao governo para explicar por que não conseguiu cumprir a meta no ano passado é a parte fácil do trabalho, mesmo porque não afetará a credibilidade da instituição. O desafio da autoridade monetária será conduzir o índice rumo à meta neste ano. Todos já sabem que a taxa básica de juros aumentará para 14,25% ao ano em março, mas como esse patamar, ainda que elevadíssimo, não tem sido suficiente para domar as expectativas, não se sabe até onde eles irão para o BC cumprir sua missão.

Até agora, o governo Lula da Silva não colaborou e manteve uma política fiscal expansionista. Seria ingenuidade acreditar que algo mudará até 2026, haja vista o esvaziado pacote de corte de gastos anunciado e aprovado no fim do ano passado. Com o dólar acima de R$ 6,00, a tarefa do Banco Central será ainda mais difícil, com a agravante de que, pelo sistema de meta contínua, em vigor desde o início deste ano, terá de elaborar uma nova carta ao governo toda vez que a inflação acumulada em 12 meses ficar acima de 4,5% por 6 meses consecutivos. Melhor começar a pensar no texto da primeira delas, a ser enviada em julho.