O governo Lula da Silva não conseguiu encontrar espaço necessário no Orçamento para acomodar suas prioridades em termos de política pública. O cobertor curto ficou evidente na semana passada, quando o Executivo fez uma ginástica para ampliar a verba do Auxílio Gás, cortar as despesas previstas para arcar com o Bolsa Família e reforçar a verba da Previdência e da Assistência Social, mas não conseguiu incluir na peça orçamentária o Programa Pé-de-Meia.
Dizer que o Orçamento Geral da União não reflete a realidade já não espanta ninguém. Mas é bastante simbólico que o governo Lula da Silva não consiga manejar receitas e despesas para garantir que uma de suas potenciais bandeiras eleitorais seja paga da maneira adequada.
Ninguém duvida de que as bolsas do Pé-de-Meia, programa de incentivo aos estudantes da rede pública que fazem parte do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) a concluir o ensino médio, serão pagas – afinal, o governo entrou de cabeça no modo reeleição. Mas a falta de planejamento e de previsibilidade sobre como isso se dará explica a desconfiança dos investidores em relação ao Executivo.
As contas simplesmente não fecham, e não é de hoje. No ano passado, as bolsas do Pé-de-Meia já haviam sido pagas por meio de R$ 6 bilhões em recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), providencialmente aportados no fim de 2023, fora das regras do arcabouço fiscal, em um fundo privado, administrado pela Caixa Econômica Federal, para piorar o resultado primário de 2023 e salvar o de 2024. Ainda assim faltou dinheiro, e o governo usou verba do Fundo Garantidor de Operações (FGO) para complementar o Pé-de-Meia.
Para este ano, a projeção é de que o programa custe cerca de R$ 12 bilhões, e ficou acertado com o Tribunal de Contas da União (TCU) que o governo incluiria o programa no Orçamento de 2025. Até agora, isso não ocorreu, mas o ministro da Educação, Camilo Santana, assegurou que o governo tem recursos para o Pé-de-Meia continuar.
Enquanto isso, os parlamentares, tão zelosos de suas emendas, acham que não cabe a eles colaborar nessa tarefa. “Se não veio com a previsão no Orçamento, o governo precisa dizer onde deverá ser cortado para atender aos programas do governo federal. Não será o relator que vai cortar, ao bel-prazer, para atender aos programas do governo”, disse o senador Angelo Coronel (PSD-BA), relator do Orçamento no Congresso.
No ofício que enviou ao Congresso, o Executivo alocou R$ 3 bilhões para o Auxílio Gás, programa que, até então, contava com apenas R$ 600 milhões previstos para o ano todo, mesmo depois de ter ampliado a quantidade de beneficiários. Felizmente, após severas críticas, o governo desistiu da ideia de bancar o programa com recursos oriundos da exploração do pré-sal que transitariam fora do Orçamento e à revelia do arcabouço fiscal.
Mas o corte de R$ 7,7 bilhões no Bolsa Família, previsto no ofício, é ilusório. Trata-se apenas de uma estimativa de economia com a realização de operações do tipo pente-fino, e não de algo com efeito estrutural. “Não alterará o número de famílias sendo atendidas nem a perspectiva de crescimento do programa”, afirmou o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP).
E mesmo com o reforço de R$ 8 bilhões para gastos previdenciários e de cerca de R$ 680 milhões para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos em situação de vulnerabilidade e a pessoas com deficiência, a previsão de despesas para essas áreas ainda parece estar subestimada, apontam especialistas.
Se em meados de março o País ainda não tem um Orçamento aprovado, é em razão da negligência com que a questão é tratada pelo Executivo e pelo Legislativo. E isso diz muito sobre a credibilidade do País.
Lula da Silva já deixou claro que, se depender dele, não haverá novas medidas fiscais, e ele nunca teve a ambição de reequilibrar as contas públicas. Mas isso não exime o governo de administrar o dia a dia com mais transparência sobre suas fontes de receita e suas previsões de despesas, sobretudo quando diz respeito às políticas que ele considera prioritárias.