N o apagar das luzes de 2023, o governo lançou mais um pacote de incentivos para montadoras de veículos. A título de promover a descarbonização, o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) vai oferecer um total de R$ 19,3 bilhões em incentivos fiscais até o fim de 2028.
Há uma condição adicional, no entanto, para usufruir do benefício. A indústria terá de produzir os veículos no Brasil. E, para bancar parte do benefício, o governo contará com a arrecadação oriunda do Imposto de Importação sobre carros elétricos e híbridos, que voltou a ser cobrado em 1.º de janeiro.
Quando foi anunciado, em novembro, o fim da isenção de veículos eletrificados foi elogiado por este jornal. Era um bom exemplo a explicar a regressividade da carga tributária brasileira. Afinal, sob o pretexto de reduzir as emissões, o deficitário Estado abria mão de comprar impostos para favorecer a compra de veículos para transporte individual por consumidores de alto poder aquisitivo.
Agora, o governo Lula da Silva deixa claro que a reversão da medida jamais teve como objetivo o reequilíbrio fiscal ou a correção de injustiças tributárias. A intenção, desde o início, era preparar terreno para editar, pela enésima vez, um plano para incentivar a indústria automotiva a investir no Brasil, como admitiu o vice-presidente Geraldo Alckmin, também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
O Mover nasceu para substituir o Rota 2030, programa que estava em vigor desde 2018. O Rota 2030, por sua vez, surgiu no lugar do Inovar-Auto, que funcionou de 2013 a 2017. Antes deles, vieram medidas para reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), para retomar a produção do Fusca e o Proálcool, entre muitas outras nos últimos 70 anos.
Conceder benefícios fiscais para estimular a produção de automóveis não é, portanto, uma novidade, mas uma regra adotada e mantida por diferentes governos para atender a interesses muito caros às montadoras. O que mudou, ao longo desse tempo, foi o objetivo que, em tese, justificava a adoção de cada uma dessas medidas: industrializar o País, gerar empregos, aumentar os investimentos na cadeia de autopeças e fornecedores, reduzir emissões, regionalizar a produção e reduzir o preço dos veículos.
Os números do setor mostram que os resultados dessas propostas são, no mínimo, questionáveis. Algumas até funcionaram, mas tiveram efeitos efêmeros. Já o custo dessas políticas foi muito palpável: sempre na casa dos bilhões. Segundo um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), cada emprego criado pela Stellantis em sua unidade no Pernambuco custava R$ 34 mil por mês aos cofres públicos.
Seria esta a melhor forma de aplicar os recursos? Para o governo federal, não há dúvidas de que sim. Incluída na reforma tributária, a prorrogação do programa para favorecer os fabricantes de veículos do Norte, Nordeste e Centro-Oeste não era unanimidade nem mesmo entre as montadoras e criou um racha como poucas vezes se viu na história da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Teve, no entanto, apoio explícito do Executivo.
Com o lançamento do mais recente regime automotivo, a paz voltou a reinar na entidade. Para a Anfavea, o País “mantém-se na vanguarda ao estabelecer regras que dão previsibilidade aos investimentos privados no País”. “Excelente notícia para toda a cadeia da indústria automobilística brasileira”, disse a entidade.
Chega a ser cansativo observar o governo insistir nas mesmas políticas de sempre na expectativa de obter resultados diferentes. Se os incentivos para montadoras, de fato, funcionassem, o Brasil certamente teria uma produtividade invejável, seria um dos maiores exportadores de veículos do mundo e produziria automóveis modernos e competitivos.
Uma vez que não é, e que as mais de 20 montadoras e suas 27 fábricas estão com alto nível de ociosidade, seria, no mínimo, recomendável investigar as razões que podem explicar esse problema. Mas para o governo – e não apenas para este governo em particular – nada disso importa.