As eleições para o Conselho Federal de Medicina (CFM), entidade cuja atribuição é normatizar e fiscalizar a prática médica do Brasil, foram marcadas por elevado grau de agressividade e disputa ideológica. Encerrado o pleito e confirmados os eleitos, espera-se que o órgão se dedique agora àquilo que lhe compete: atuar para garantir que o exercício da medicina no País ocorra de forma ética, observando-se as melhores práticas da medicina em benefício dos pacientes e atuando, quando necessário, na punição dos que não se pautarem pelo mais elevado rigor médico e pelas leis brasileiras.
A julgar pelo comportamento de alguns dos eleitos logo após a divulgação dos resultados, contudo, o futuro não parece auspicioso. Reeleito conselheiro por São Paulo, o infectologista Francisco Eduardo Cardoso Alves tripudiou de “esquerdopatas” em publicação agora indisponível nas redes sociais. Durante a pandemia de covid-19, Alves defendeu o uso da cloroquina, remédio considerado pela Organização Mundial da Saúde ineficaz no tratamento da doença e com perigosos efeitos colaterais. Entre os reeleitos há quem tenha celebrado os ataques golpistas do 8 de Janeiro e médicos que fizeram campanha contra o aborto mesmo nos casos previstos em lei.
Durante a campanha eleitoral para o conselho, houve mais ênfase nas associações políticas dos candidatos – alguns fizeram questão de distribuir panfletos com a imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro como cabo eleitoral, por exemplo – que em propostas para que a medicina no Brasil seja exercida com ética e transparência, que segundo o próprio CFM são parte da sua missão.
Aos médicos, como a qualquer cidadão, não é vedado o direito de opinião nem de se manifestarem politicamente. O CFM, no entanto, não é uma agremiação sindical ou uma torcida organizada, nas quais os líderes costumam agir de acordo com suas paixões pessoais. Quando abraçam a medicina, os médicos fazem um juramento comprometendo-se a não discriminar nenhum paciente. Da mesma forma que todos têm direito a advogados, todos também têm direito a médicos. Ou deveriam.
Não é o que se tem visto nos últimos anos. Com o aumento da tensão política no Brasil, foram multiplicando-se relatos de médicos que se recusaram a atender pacientes movidos por convicções ideológicas e políticas. É atribuição do CFM fiscalizar, coibir e punir tais práticas, missão que fica altamente comprometida quando em campanha para o conselho de uma entidade médica os candidatos fazem questão de deixar claro seu alinhamento político.
Com a eleição definida, os conselheiros têm a oportunidade – ou melhor, o dever – de deixar o partidarismo de lado e guiar-se pelos valores da própria organização que representam, entre os quais estão “atuar com elevado padrão ético; ter comprometimento com a justiça, a responsabilidade e a transparência; agir em obediência à legislação que disciplina a gestão pública; prestar serviços de excelência; e buscar aperfeiçoamento contínuo e com eficiência”.