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Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | A democracia está sob ameaça?

Diante do quadro de permissão e aplauso da violência, é importante saber se tal posicionamento corresponde a uma convicção antidemocrática da população

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A Câmara dos Deputados vem de aprovar projeto de lei que prevê a castração química de pedófilos, devendo os infratores serem submetidos à inibição de impulsos sexuais, com o uso contínuo de medicamentos, em votação comemorada pelo capitão Jair Bolsonaro.

Como observa editorial do Estadão de 15/12/2024 (A23), a pena cominada é, além de cruel, invasiva da privacidade e fere a dignidade humana. Para deputado do PL do Rio Grande do Sul, no entanto, é uma “medida menos gravosa porque o ideal era a pena de morte”.

Lançamento de rapaz do alto de ponte, como um saco de lixo, em ato gratuito de soldado com gosto pelo abuso de poder, revela extrema malvadez. Senador de Santa Catarina se permitiu fazer gracinha diante de ato tão violador da pessoa humana. Disse ele: “O erro dos policiais foi ter jogado o meliante em um córrego? Não foi penhasco? (...) Tomar banho no córrego é prêmio. Minha solidariedade aos PMs”.

A violência policial deflui em grande parte da autorização para tanto que a tropa recebe de seus superiores, sejam agentes políticos, sejam oficias da corporação, correspondendo, portanto, a uma linha política dos governos estaduais.

Diante desse quadro de permissão e aplauso da violência, por membros da classe política, é importante saber se tal posicionamento corresponde a uma convicção antidemocrática de nossa população. A violência da Polícia Militar em vários Estados, como Rio de Janeiro, Amapá, Bahia, Sergipe, São Paulo, denotaria uma tendência a se admitir também a violência política e a aceitação de regime de extrema direita? Desse modo, a democracia está sob ameaça?

A resposta pode ser melhor estudada com a pesquisa realizada pelo conceituado Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) acerca da opinião pública sobre democracia, em universo de 3 mil pessoas consultadas, homens e mulheres de diversos extratos sociais e variada idade.

Para maioria significativa dos entrevistados, a democracia é o melhor sistema de governo, pois permite resolver nossos problemas, sendo preferível a qualquer outro. Adentrando mais a fundo, a maioria considera que democracia significa liberdade, sendo a religiosa e a de ir e vir as mais garantidas. Contudo, 55% das pessoas se dizem insatisfeitas com a democracia, sendo que para 45% ela funciona mal ou muito mal.

Quanto à credibilidade que geram as instituições, os dados são significativos: 55% não confiam no Supremo Tribunal Federal e no governo federal, enquanto 78% não confiam no Congresso Nacional. No sistema de Justiça, as polícias têm 52% de confiança, enquanto juízes apenas 47% e promotores ainda menos, 43%. As Forças Armadas são as mais críveis, no porcentual de 58%, quase o mesmo das igrejas, 55%, enquanto os partidos políticos têm credibilidade de apenas 13%.

Pequena é a participação política, pois somente expressiva minoria participa de associações de moradores ou de campanha política, e muito menos participa de manifestações públicas.

Curiosamente, para 69% as redes sociais atrapalham e confundem muito as escolhas, razão pela qual deveriam ser submetidas à regulação. Para a maioria houve em 8 de janeiro de 2023 risco de golpe de Estado. Conforme 42%, o risco foi grande, sendo, todavia, pequeno para 17%; assim, para 59% houve risco. Nessa linha, julga-se que a democracia está ameaçada segundo opinam 70% dos entrevistados.

Podem ser cruzados alguns dados, tendo-se por partida que grande maioria considera a democracia o melhor sistema, apto a resolver nossos problemas. Todavia, não se confiam em duas instituições essencialmente características da democracia: o Congresso e os partidos políticos, sem os quais impera um regime autoritário. Essa desconfiança para com esses dois pilares explica que haja insatisfação com a democracia, malgrado se a considere positiva. Prefere-se o sistema democrático, mas que funciona mal no Brasil. Em conclusão, admira-se a democracia, mas não a do nosso país.

Muito relevante é, de um lado, não se confiar no Poder Legislativo e, menos ainda, nas agremiações políticas, e, em contrapartida, atribuir maior credibilidade às Forças Armadas, instituição na qual se confia bem mais que no Supremo Tribunal Federal. A segunda mais crível é a polícia, superando o Ministério Público.

A política, de outra parte, não é assunto a preocupar ou a engajar a população, que se mantém distante de envolvimento com partidos políticos e alheia à reivindicação pública.

Em suma, o povo prefere a democracia, mas rejeita a política e o debate. Quer a liberdade, mas não o ônus da vivência do confronto de ideias. Assim, ganham a antipolítica e as Forças Armadas, e as polícias surgem como instituições mais confiáveis.

Com a preferência pela democracia, teria sido fácil aos políticos e suas agremiações ganharem admiração. Todavia, só geraram descrença, abrindo brecha para o discurso golpista. Também o aplauso à violência, por parlamentares e governadores, mostra um campo minado contra a liberdade. Ameaça à democracia só distante, mas merecedora de cautela.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Opinião por Miguel Reale Júnior

Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

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