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Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | Forças Armadas subordinadas ao poder político

Nada justifica, diante do texto constitucional e da experiência histórica, o entendimento de que elas sejam um Poder Moderador.

Por Miguel Reale Júnior

Ao responder, no Jornal Nacional, da TV Globo, ao comentário de que seus correligionários, sem sua contestação, defendiam em manifestações o fechamento do Congresso Nacional e a intervenção militar, Jair Bolsonaro mencionou o artigo 142 da Constituição. A resposta ficou pelo meio. Com efeito, todavia, o presidente referia-se à posição de poucos juristas no sentido de que esse artigo autoriza as Forças Armadas a agir como Poder Moderador, como um Poder acima dos demais, no caso de conflito entre Poderes.

Resta saber se se pretende referir ao Poder Moderador consagrado ao imperador pela Constituição de 1824 ou se se usa o termo no seu sentido literal, como órgão de conciliação entre os Poderes.

Não se pode confundir o Poder Imperial com a pretensa intervenção das Forças Armadas em eventual conflito entre Poderes Foto: Wilton Júnior/Estadão

Em golpe de Estado, Dom Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte, que a seu ver não elaborava texto digno dele. O Conselho de Estado, nomeado para, então, elaborar a Constituição, instituiu um quarto poder, o Poder Moderador, criando a figura de rei que reina, governa e administra.

O artigo 98 da Constituição atribuía ampla competência ao chefe de Estado, mais larga que a de um presidente do presidencialismo parlamentarizado, pois o imperador podia interferir no processo legislativo, nomear e destituir ministros, dissolver a Câmara dos Deputados, prorrogar seus trabalhos, designar senadores e presidentes de província.

Por isso denominava-se o sistema de governo adotado de parlamentarismo às avessas. Ao poder imperial concederam-se inviolabilidade e irresponsabilidade.

Não se pode confundir este Poder Imperial com a pretensa intervenção das Forças Armadas em eventual conflito entre Poderes. Seria, então, o Poder Moderador a capacidade de conciliação das Forças Armadas?

Os oficiais do Exército, sob a orientação do recém-fundado Clube Militar, dirigido por Benjamin Constant, decretaram a República. Iniciou-se o período republicano com o chamado regime da espada, especialmente sob Floriano Peixoto, que impôs prisão e desterro a seus opositores.

O militarismo do primeiro mandato presidencial retornou com o sobrinho de Floriano Peixoto, o presidente Marechal Hermes da Fonseca. Entre as instituições militares e o militarismo, dizia Ruy Barbosa, vai, em substância, o abismo de uma contradição radical. O militarismo, o governo da Nação pela espada, arruína as instituições militares, a subalternidade legal da espada à Nação.

A intensa intervenção das Forças Armadas, na primeira República, expressa-se nas revoluções de 1922, de 1924 e na de 1930, a qual, após os primeiros dias da revolta, contou com total apoio do Exército.

O golpe de 10 de novembro de 1937, instituindo o Estado Novo, teve a participação do Exército, como bem relata Hélio Silva, sendo a ditadura acordada entre Getúlio e o então ministro da Guerra, Eurico Dutra.

Como se vê, as Forças Armadas foram protagonistas da cena política em situação de comando e de substituição dos quadros civis na condução do País, impondo limitações à liberdade, o que alcançou o clímax na ditadura de 1964 e, especialmente, após 1968, com o Ato Institucional n.º 5 e a consagração da ideologia da segurança nacional.

Assim, pode-se verificar a interferência, ao longo da História, das Forças Armadas no processo político em episódios de confronto, e jamais de conciliação, substituindo-se à sociedade politicamente organizada para ditar de cima para baixo o certo e o errado, inclusive no plano dos costumes. A História não indica que as Forças Armadas tenham experiência de moderação – ao contrário.

O já referido artigo 142 da Constituição ficou, depois de debate que acompanhei na condição de assessor especial da presidência da Constituinte, assim redigido: “Artigo 142: As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

No primeiro substitutivo do relator, editava-se que as Forças Armadas se destinam “à garantia dos Poderes constitucionais e por iniciativa expressa destes da ordem constitucional”. Poderiam, portanto, intervir para garantia tão somente da ordem constitucional, e não da ordem simplesmente. Após reunião entre o relator da Constituinte e os relatores adjuntos com o presidente Sarney e o ministro da Guerra, ficou acordado que poderia haver atuação das Forças Armadas para garantia da ordem e da lei, mas por iniciativa de qualquer dos Poderes.

Submetem-se as Forças Armadas ao poder político, podendo agir para a manutenção da ordem e da lei apenas quando convocadas por iniciativa de um dos Poderes constitucionais. Não são as Forças Armadas, de conseguinte, um poder, malgrado a relevância de garantes da ordem constitucional, pois subalternas ao comando político da Nação.

Nada justifica, portanto, diante do texto constitucional e da experiência histórica, o entendimento de que as Forças Armadas sejam um Poder Moderador.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Opinião por Miguel Reale Júnior
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