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Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | Vergonha e esperança

Nestes dias da COP-26 – à qual Bolsonaro injustificadamente não foi –, ao lado do constrangimento surgiu a visualização do Brasil saudável.

Por Miguel Reale Júnior

Foi uma sensação de reencontro provavelmente previsível, mas, para mim, inesperada diante da circunstância de estar vivendo imerso em águas turvas. Foi um reencontro com a civilização. Estive uma semana na Espanha. Em poucas horas vivenciei a satisfação de estar em ambiente no qual não havia sobressaltos, no qual não seria surpreendido por absurdos altissonantes. Não precisava ficar tensamente na defensiva, preocupado com ataque tosco a valores integrantes de nosso modo de ver e de viver, consolidados ao longo do tempo. As pessoas ao meu lado mostravam-se seguras da estabilidade das conquistas sobre a dignidade da pessoa humana.

Pude perceber, à distância, que a vida no Brasil me inseria em meio doentio contaminante, a transformar todos em hóspedes de um hospício, no qual por mimetismo se adquirem os jeitos e trejeitos dos pacientes alienados.

Os espanhóis, admirados, indagavam como era possível um povo criativo e amante da liberdade, como o nosso, estar ainda a aguentar o obscurantismo do universo “bolsonariano”, no qual a inteligência e a sensibilidade se desfazem. Essas indagações geraram tanto constrangimento como expectativa de que, com as energias ainda não totalmente enfraquecidas, será possível fazer prevalecer o país saudável, animado pelo impulso de prosperar no respeito à vida, à saúde, à liberdade de pensar e criar, com o talento que a diversidade própria do nosso povo proporciona.

Mas, ao voltar ao Brasil, pude constatar a convivência destes dois sentimentos: vergonha e esperança.

A vergonha por nosso país ter sido naturalmente excluído do G-20, especialmente em vista da presença de Bolsonaro, que foi até ignorado pelos garçons que serviam aos maiores mandatários do mundo. O Brasil saiu do G-20 pela porta dos fundos, tal como Bolsonaro fez para ganhar a rua ao escapulir escondido da embaixada brasileira na Piazza Navona.

Bolsonaro foi solitário à Fontana di Trevi e, para confirmar seu completo isolamento, deixou de estar ao lado dos demais mandatários na visita oficial do G-20 à icônica fonte romana. Todos os chefes das nações jogaram moedas de costas formulando um desejo. Bolsonaro lá esteve e não fez votos ao bem de seu povo, deixando de jogar a moeda, demonstrando não ter a imaginação mínima necessária para participar deste jogo com o futuro. Foi ali, na Fontana di Trevi, inaugurado o G-19.

A figura tosca do presidente do Brasil se fez tristemente palpável no paradigmático episódio com a chanceler Angela Merkel, de quem Bolsonaro inadvertidamente pisou no pé, ao que a líder da Alemanha exclamou: “Só podia ser você!”.

Mas, ao lado do sentimento de constrangimento, reconhecendo terem razão os chefes das nações em ignorar nosso presidente, surgiu nestes dias da COP-26 – à qual injustificadamente Bolsonaro não foi – a visualização do Brasil saudável.

Este lado sadio, positivo e prospectivo colhe-se da participação dos chefes dos entes subnacionais, os Estados de nossa Federação, no encontro sobre clima; da ida de importantes empresários brasileiros a Glasgow para levar projetos de empreendimentos que respeitam a preservação do meio ambiente; e, por fim, da presença de nossa sociedade civil neste importante encontro para que o mundo tenha futuro.

Os governadores criaram, para participar da COP-26, o Consórcio Brasil Verde, coordenado pelo governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, que lidera, em Glasgow, grupo de 13 governadores. Em contraponto à triste conduta do governo federal, propõem-se de forma concreta ações preventivas para redução de emissão de poluentes e de preservação da Amazônia.

Os governadores – como ressaltou Eduardo Leite em palestra na Universidade de Edimburgo, ao lado do professor brasileiro Cláudio Michelon, catedrático de Filosofia do Direito naquela universidade – tentam, na ausência do governo federal, coordenadamente agir na proteção do meio ambiente.

Em outra vertente o Brasil se faz presente por via da iniciativa privada, que apresentou projetos bem-sucedidos de sustentação da biodiversidade. Os empresários brasileiros, em vista da imagem negativa do País, foram a Glasgow mostrar o compromisso com a defesa do meio ambiente de parcela considerável do PIB do Brasil, por meio do Movimento Coalizão Brasil Clima, Floresta e Agricultura e do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds.org), que fizeram sugestões concretas para o bom uso da terra.

Por fim, o melhor do Brasil brasileiro se fez comovente na figura da moça indígena Txai Suruí, do povo Paiter Suruí do Amazonas, que defendeu a participação dos povos indígenas na tomada de decisões sobre a Amazônia, para ao final alertar: “A Terra nos diz que não temos mais tempo. Não é 2030 ou 2050. É agora”.

Sentimentos contraditórios dominam meu espírito: abatimento, mas crença na resiliência do brasileiro em enfrentar o obscurantismo. Se não é agora, será em 2022 a volta à civilização e ao G-20.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Opinião por Miguel Reale Júnior
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