É um fato gritante que a esquerda é menor que Lula, ao menos eleitoralmente. Basta olhar o deserto de alternativas na seara progressista. Lula (pessoalmente ou por interposta figura) disputa a Presidência desde 1989. As dissidências foram trituradas pela máquina de difamação petista. O desempenho do PT em eleições subnacionais não é sequer uma sombra dos sucessos de Lula no Executivo federal. Para conquistar seu primeiro mandato, ele apelou a um vice empresário e engoliu a seco as reformas “neoliberais” de FHC. No poder, transigiu com a direita no Congresso. Quando prevaleceram o voluntarismo e o dogmatismo petistas na gestão Dilma Rousseff, o poste de Lula foi defenestrado. Em 2022, o marketing da “frente ampla”, mesmo sendo uma manifesta impostura, foi crucial para angariar os votos que, por estreitíssima margem, reconduziram Lula ao Planalto. Ainda assim, ele perdeu nas classes média e alta e no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Nada ilustra melhor a estatura da esquerda hoje que as meras 130 cadeiras na Câmara conferidas pelo eleitorado.
Mas se Lula é maior que a esquerda, Jair Bolsonaro é muito menor que a direita, como mostra a desproporção entre os votos dados a ele e à direita no Congresso. Uma pesquisa dos Institutos Locomotiva e Ideia com os eleitores de Bolsonaro no segundo turno revelou que só 18% acreditam que ele seja a única figura com força para representar a direita. Já 54% dizem existir pessoas que podem ter força para representar a direita sem o apoio de Bolsonaro. E isso sem contar os eleitores de direita e de centro que, aterrorizados com um novo mandato do “capitão”, votaram em Lula a contragosto.
Outro dado revelador é que bolsonaristas e lulopetistas têm muito mais em comum do que gostariam de admitir. A menor divergência se dá justamente na política econômica. Por exemplo, dos eleitores de Lula e Bolsonaro, 54% e 40%, respectivamente, acreditam que o governo deveria intervir na política monetária do Banco Central; e 58% e 37%, que deveria ampliar a intervenção na economia para garantir o crescimento. Segundo os pesquisadores, no eleitorado à direita é precisamente o enclave de bolsonaristas radicais que mais favorece o intervencionismo e o estatismo tão caros aos petistas. É uma versão peculiarmente tupiniquim da “teoria da ferradura”, segundo a qual os extremos à esquerda e à direita, antes de estarem em polos distantes de um continuum político linear, aproximam-se como as duas pontas de uma ferradura.
Só há surpresa para os incautos. A eleição de Lula não foi um triunfo da “democracia” contra a “autocracia”. Duas palavras bastam para exprimir o apreço do lulopetismo pela democracia: mensalão e petrolão. Quando seu desenvolvimentismo foi implantado sem freios, o que se viu foi a pior recessão da história recente do País. Pode-se apontar divergências ideológicas entre o lulopetismo e o bolsonarismo, pode-se discutir qual é menos democrático, mas o fato é que a disputa se deu entre dois projetos de poder populistas e autoritários, ou, antes, entre as aversões a um e outro: ao fim, o antibolsonarismo superou o antipetismo por mísero 1,8 ponto porcentual.
Mas o Brasil não está condenado a essa dialética negativa e asfixiante. As manifestações multitudinárias pós-2013, a composição do Congresso e até pesquisas da Fundação Perseu Abramo, o braço intelectual do PT, expõem o tamanho da insatisfação com a agenda petista. Bolsonaro, por sua vez, usurpou nas campanhas eleitorais o ideário conservador e liberal. Mas a pesquisa do Locomotiva revela que um contingente majoritário da direita não comprou o engodo. São eleitores que sabem perfeitamente bem que o autoritarismo de Bolsonaro violenta frontalmente valores caros aos conservadores (como a estabilidade das instituições), aos liberais (como a pluralidade política e a liberdade econômica) e a ambos (como a desconfiança do poder centralizado). Não faltam pessoas e instituições, como este jornal, engajadas na promoção desses valores. O que há, sim, para parafrasear uma peça de Luigi Pirandello, são dezenas de milhões de eleitores à procura de um candidato.