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Minha Casa Minha Vida para classe média

Governo turbina crédito do programa habitacional com recursos do Fundo Social do Pré-Sal para atender a uma faixa de renda mais alta, em novo esforço para seduzir esses eleitores

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Por Notas & Informações
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Desesperado para recuperar a popularidade perdida, o governo Lula da Silva decidiu enviar R$ 15 bilhões do Fundo Social do Pré-Sal para ampliar a verba do Programa Minha Casa Minha Vida. Com o reforço, a ideia é viabilizar uma forma de financiar operações para compra da casa própria por famílias com renda bruta mensal entre R$ 8 mil e R$ 12 mil, que atualmente não são alcançadas por essa política habitacional.

A intenção do Executivo de ampliar as possibilidades de uso dos recursos do Fundo Social já estava clara desde a edição da Medida Provisória 1.291/2025, de 6 de março deste ano, que incluiu, entre os possíveis destinos da verba, gastos com habitação de interesse social, infraestrutura social, mitigação e adaptação às mudanças climáticas e enfrentamento das consequências sociais e econômicas de calamidades públicas.

Ainda faltava, no entanto, um detalhamento sobre como o dinheiro seria utilizado, o que foi elucidado após o Ministério do Planejamento enviar um ofício ao relator do Orçamento, senador Angelo Coronel (PSD-BA).

A classe média é o novo alvo do governo, que, com uma só medida, pretende resolver dois problemas. O primeiro é aumentar os financiamentos da chamada faixa 3 do Minha Casa Minha Vida, para pessoas com renda mensal entre R$ 4,7 mil e R$ 8 mil, com recursos do Fundo Social do Pré-Sal.

O segundo é aproveitar a “sobra” de recursos da poupança e do FGTS, que seria direcionada à faixa 3, para criar a faixa 3 estendida, com renda mensal entre R$ 8 mil e R$ 12 mil, que hoje excede o limite de renda para enquadramento em financiamentos a juros reduzidos no programa habitacional.

Como se sabe, a disputa por recursos da caderneta, tradicional fonte de recursos para o financiamento habitacional, tem sido feroz em razão da combinação de inflação elevada, altas taxas de juros e a popularização de investimentos mais rentáveis e líquidos – situação que levou a Caixa a suspender novas contratações em outubro do ano passado e, depois, a exigir entrada maior dos compradores.

O governo, se desejasse, poderia colaborar de outras formas. Se reduzisse o gasto público, também diminuiria a demanda e, por consequência, a inflação e a necessidade de o Banco Central manter a Selic em nível tão elevado, o que tem feito com que os recursos para crédito habitacional acabem mais rápido. Mas isso demandaria responsabilidade e paciência, e um governo que só tem olhos para a reeleição não tem tempo a perder.

Ao utilizar recursos financeiros do Fundo Social do Pré-Sal para operações de crédito habitacional, o governo conseguirá injetar mais dinheiro na economia sem ultrapassar o limite de despesas nem descumprir a meta de resultado primário. Seria perfeito, não fosse a dívida bruta, cuja trajetória não mente.

É o tipo de medida que dificulta a tarefa do Banco Central (BC) de conduzir a inflação à meta. Não por acaso, ata após ata o Comitê de Política Monetária (Copom) repete que o crédito direcionado é um dos fatores que elevam a taxa de juros neutra, reduzem a potência da política monetária e aumentam o custo de desinflação.

Para o governo, nada disso importa. Enquanto o BC, de um lado, tenta frear a economia para reduzir a inflação, do outro o governo pisa no acelerador para ampliar a disponibilidade de recursos, manter a demanda aquecida e impulsionar a economia até a próxima eleição.

Com um déficit de 6,2 milhões de domicílios, segundo a Fundação João Pinheiro, o Brasil precisa de uma política habitacional que vá além da construção de microapartamentos nas regiões centrais e conjuntos habitacionais distantes dos centros urbanos. É só o que se consegue com o valor dos imóveis estabelecido no programa.

Não há uma solução única para um problema tão complexo e um país tão desigual, mas há de se ter soluções que garantam moradia acessível nos centros das principais capitais, hoje abandonados, inseguros e tomados por barracas improvisadas. Parcerias com municípios, Estados e a iniciativa privada tendem a ser mais baratas e mais rápidas. Mas a prioridade do governo são votos, e não solucionar o déficit habitacional.