A campanha de Guilherme Boulos (PSOL) para a Prefeitura de São Paulo parece ter entrado em modo desespero, ao estilo “ninguém solta a mão de ninguém”, diante da possibilidade de o candidato esquerdista nem sequer chegar ao segundo turno.
Só isso explica a publicação de um criativo manifesto, assinado por uma seleta de artistas e intelectuais, que na prática implora aos eleitores da candidata Tabata Amaral (PSB) que desistam de votar nela em favor do chamado “voto útil” em Boulos, cujo objetivo seria conter o “risco de dois candidatos bolsonaristas passarem ao segundo turno: Ricardo Nunes e Pablo Marçal”. Para essa turma, uma eventual derrota do ex-líder dos sem-teto representaria um risco para a democracia.
Todas as pesquisas de intenção de voto apontam empate triplo, dentro da margem de erro, entre Nunes, Boulos e Marçal. De acordo com os dados disponíveis hoje, qualquer combinação de segundo turno envolvendo esses três candidatos é factível, inclusive a hecatombe que assombra os signatários do manifesto, aquela que exclui Boulos da disputa final pelo governo da capital paulista. Porém, nas simulações de segundo turno, Boulos perderia fragorosamente para Nunes e venceria Marçal por margem pequena de votos, nem de longe suficiente para lhe dar segurança na vitória. A única candidata que venceria todos eles no segundo turno, de acordo com as pesquisas, é, ora vejam, Tabata Amaral.
Portanto, se a intelectualidade que assinou o manifesto pusesse o intelecto para trabalhar, defenderia o “voto útil” em Tabata, e não em Boulos, caso o objetivo fosse evitar a vitória de um dos terríveis bolsonaristas em São Paulo. Mas Tabata carrega consigo um vício de origem aos olhos desses ditos “progressistas”: ela se perfila ao centro do espectro político, resistindo às estocadas do PT para desistir da campanha e recusando-se, ao menos até agora, a se comprometer em apoiar Boulos num eventual segundo turno.
O tal “manifesto”, ademais, se presta somente a confirmar algo que já ficou claro há bastante tempo: a esquerda não consegue oferecer nada ao País a não ser uma alegada “defesa da democracia” – e em termos inequívocos: para esses pensadores, os candidatos da direita integram um “bloco antidemocrático” que pretende usar uma eventual vitória em São Paulo para “dar uma demonstração de força” e “destruir os direitos mais básicos da república brasileira”. Afirmam ainda que “um resultado como esse representaria a consagração, pelo voto popular, da violência política, da defesa da tortura, do negacionismo científico, da destruição de direitos, do descaso com os mais pobres, do desprezo com a cultura, com as minorias e com a democracia além do vasto programa de destruição do meio ambiente”.
Poucas vezes se viu tamanha mistificação numa campanha eleitoral. Ao contrário do que dizem os signatários do “manifesto”, a democracia não corre o menor risco na cidade de São Paulo. Quem corre sério risco é Lula, que colocou todas as suas fichas na campanha de Boulos e, em caso de revés, sairá bastante desmoralizado.
Se é de democracia genuína que se trata, então o tal “manifesto” é exemplo de genuíno autoritarismo. Ali, os adversários do candidato ungido por esses luminares são tratados como demônios, e não como oponentes legítimos numa disputa política como qualquer outra. Os signatários terminam o texto convocando “todas as pessoas comprometidas com a empatia, a democracia, a humanidade e o futuro” a votar, “já neste domingo, em Guilherme Boulos”. Ou seja, ficou definido que quem não votar no sr. Boulos é desalmado, sem empatia, sem apreço pela democracia e desprovido de humanidade.
Como intelectuais, os manifestantes decerto sabem (ou deveriam saber) que é típico do pensamento totalitário reivindicar o monopólio da virtude e considerar adversários políticos como inimigos existenciais. Foi assim que ditadores como Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Daniel Ortega e o mestre de todos, o Comandante Fidel, construíram seus regimes tiranos – tão admirados, aliás, por Lula, Boulos e vários dos aflitos signatários do manifesto.