Para quem tinha esperança de que o pagamento de emendas parlamentares seguiria critérios mais transparentes e rastreáveis depois da suspensão dos repasses pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, a Câmara dos Deputados deu uma contundente resposta nesta semana.
O texto garantiu R$ 50,5 bilhões aos deputados e senadores em 2025, praticamente o mesmo valor deste ano, sem atender às condições impostas pelo ministro para liberar os recursos bloqueados. Era um resultado previsível, como este jornal prenunciava em agosto, após a divulgação dos termos do pacto mediado pelo Judiciário para dar fim à crise entre Executivo e Legislativo (ver o editorial A montanha pariu um rato, publicado em 22/8/2024).
A proposta foi elaborada pelo deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), aliado do ministro Flávio Dino, e um dos vice-líderes do governo, e acabou por ser relatada por Elmar Nascimento (União-BA).
Elmar estava magoado com seu “melhor amigo”, ninguém menos que o atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), após o alagoano ter declarado apoio a Hugo Motta (Republicanos-PB) na disputa pela sucessão da Casa. Lira, então, deu a Elmar a relatoria do projeto, e bastou um dia para que essa bela amizade fosse reconstruída sobre novas bases.
As emendas individuais e de bancada, de execução obrigatória, continuarão a crescer ano a ano. A diferença é que, a partir de 2026, seguirão o arcabouço fiscal, que garante um aumento real, ou seja, acima da inflação, de 2,5%.
Quanto às emendas Pix, um tipo de emenda individual e, portanto, impositiva, os autores deverão indicar o objeto e o valor das indicações, dando preferência a obras inacabadas de Estados e municípios, mas não será exigido cronograma de execução nem assinatura de convênio para o envio dos recursos.
Ainda em relação às emendas de bancada estadual, a exigência de que sejam restritas a projetos e ações estruturantes foi flexibilizada e a lista, ampliada. Os parlamentares poderão dividir os recursos individualmente e também poderão destinar verba para outros Estados.
Herdeiras das emendas de relator, que deram base ao “orçamento secreto”, esquema revelado pelo Estadão, as emendas de comissão partirão do patamar de R$ 11,5 bilhões, serão corrigidas pela inflação – privilégio garantido somente às despesas obrigatórias – e só poderão ser bloqueadas na mesma proporção dos demais gastos discricionários.
Além disso, não será preciso identificar os nomes dos padrinhos das emendas de comissão, uma afronta não só à decisão mais recente de Flávio Dino, como à do plenário do STF em 2022, quando foi reconhecida a inconstitucionalidade do “orçamento secreto”. Caberá aos líderes, e não aos colegiados, determinar o destino do dinheiro.
O texto recebeu 330 votos favoráveis e 74 contrários. Ele ainda será submetido ao Senado, mas por lá tampouco enfrentará problemas. O Congresso tem pressa para liberar os R$ 17,5 bilhões bloqueados pela decisão de Dino e, de acordo com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a proposta deve ser analisada já na próxima semana.
Se aprovada, a medida deve referendar as mudanças iniciadas pelo Congresso há quase dez anos. Foi em março de 2015, logo após a reeleição da então presidente Dilma Rousseff, que a primeira de uma série de emendas constitucionais que alteraram a execução das emendas parlamentares foi aprovada, em uma sessão da Câmara liderada por aquele que se tornaria o algoz da petista, Eduardo Cunha (MDB-RJ), líder do mesmo grupo político de Arthur Lira e de Hugo Motta.
O impacto desse movimento no processo eleitoral não pode ser desprezado. Enquanto essas indicações abocanhavam um espaço crescente do Orçamento Geral da União, deputados e senadores consolidavam suas bases eleitorais. Na disputa deste ano, a proporção de prefeitos reeleitos foi de 80%, a maior dos últimos 20 anos, e, nas 112 cidades mais contempladas com emendas, o sucesso foi ainda maior e alcançou impressionantes 93,7%.
Com o projeto aprovado nesta semana, tudo muda para continuar como está, exatamente como a cúpula do Legislativo desejava.