Os contratos de concessão firmados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) com as distribuidoras de energia delimitam de forma muito clara as regras a serem cumpridas em relação à tarifa, qualidade, segurança, continuidade e regularidade dos serviços. São acordos de longo prazo, em que as empresas são autorizadas a prestar o serviço por 30 anos, prorrogáveis por mais 30, exceto se não conseguirem atingir os indicadores econômicos e de qualidade mínimos fixados no contrato. Neste caso, podem perder o direito à concessão.
No centro de uma estrepitosa polêmica desde que deixou 2,1 milhões de endereços em São Paulo sem luz por dias seguidos, em novembro do ano passado, causando enormes prejuízos aos consumidores, a Enel, todavia, está perfeitamente enquadrada nos padrões estabelecidos no contrato. Embora a percepção geral seja de ineficiência, a empresa bem ou mal cumpre os parâmetros avaliados periodicamente.
Portanto, é razoável supor como remota, ao menos do ponto de vista técnico, a possibilidade de caducidade da concessão, como sugeriu à Aneel o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Também é coerente deduzir que, se a Enel cumpre os requisitos e, apesar disso, presta um serviço visto como ruim, o problema certamente não está no serviço, e sim no contrato. Sendo assim, que se aproveite a atual negociação para renovar 20 contratos de concessão – entre os quais o da Enel-SP – para rever os indicadores. É necessária uma solução definitiva e abrangente, haja vista que essas distribuidoras atendem 120 milhões de brasileiros, 62% do mercado de distribuição.
Mas a celeuma atual em torno da concessionária não está sendo movida por critérios técnicos. Todas as evidências apontam para a politização de um enredo que tem a Enel – por um misto de azar e incompetência – como bode expiatório. Não foi casual o assunto ter sido adiantado pelo ministro numa entrevista à GloboNews momentos antes do encaminhamento do ofício à Aneel pedindo a abertura de processo disciplinar contra a empresa que, disse o ministro, “passou dos limites”.
O fato de a Aneel já ter dois processos administrativos em tramitação para investigar a Enel desde o apagão de novembro de 2023 também corrobora a natureza política da iniciativa de Silveira. Ou, melhor dizendo, a intenção eleitoral, já que não há como ignorar o fato de que o ministro oficializou publicamente sua indignação no momento em que a Enel começa a se tornar tema central na campanha à Prefeitura de São Paulo.
A cidade de São Paulo, maior colégio eleitoral do País, já está em clima de eleição, embora a campanha comece oficialmente só em agosto. E nada tem efeito tão imediato sobre o eleitor quanto decisões que afetem sua rotina, como é o caso da prestação de serviços essenciais. Por isso, não foi obra do acaso a reação imediata do governador Tarcísio de Freitas, que disse ter sugerido a medida ao ministro; do prefeito candidato à reeleição, Ricardo Nunes, que criticou o atraso do ministro; e de Guilherme Boulos, candidato de Lula da Silva à Prefeitura, que correu às redes sociais para informar ter conversado por telefone com o ministro antes do anúncio.
Tudo isso rende projeção para os candidatos e seus padrinhos políticos, porém não resolve o problema da população paulistana nem aponta caminhos para as prestadoras de serviços, que é o que realmente importa. Explorar a frustração dos consumidores de energia para afetar indignação, em manifestações que não encontram fundamento técnico, é puro oportunismo eleitoreiro.
O governo federal, do qual o sr. Silveira faz parte, contribuirá para a boa prestação de serviços quando se dedicar a rever parâmetros contratuais defasados, dotar as agências reguladoras – tão desprezadas pelas gestões petistas – de equipamentos e pessoal para cumprir sua função e abordar a questão de distribuição de energia elétrica de forma ampla, diante do cenário imposto pelas mudanças climáticas. Um trabalho sério e conjunto no setor elétrico pode conduzir à solução. Já as bravatas, como se sabe, produzem muito calor, mas pouca luz.