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Na contramão da reforma

Mudança de Lula na fórmula de reajuste do salário mínimo e vinculação aos benefícios do INSS anulam mais da metade dos ganhos previstos com reforma da Previdência em dez anos

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Por Notas & Informações
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O economista Fabio Giambiagi, que há décadas monitora e analisa a Previdência Social, fez as contas e chegou à conclusão de que a vinculação do aumento do salário mínimo ao Produto Interno Bruto (PIB), fórmula de correção estendida aos benefícios do INSS, vai anular mais da metade dos ganhos previstos com a reforma previdenciária de 2019.

Pelos seus cálculos, como mostrou reportagem do Estadão, será necessário um adicional de R$ 638 bilhões aos gastos públicos para financiar, pelos próximos dez anos, a política adotada pelo governo Lula da Silva. O montante corresponde a nada menos de 56% da economia de R$ 1,136 trilhão (valor atualizado pela inflação) prevista há cerca de cinco anos, quando foi aprovada a reforma.

Se a cifra astronômica que se esvai pelo ralo impressiona, o pior é constatar que uma canetada de Lula tenha arruinado boa parte do esforço de mais de 25 anos de discussões em torno das mudanças que permitiram frear a progressão do rombo previdenciário. Como lamentou Giambiagi, a nova política de reajuste do mínimo e sua extensão às aposentadorias foi feita sem uma avaliação prévia que a justificasse. Na mudança determinada por Lula, o salário mínimo passou a ser reajustado pela inflação do ano mais a variação do PIB dos dois anos anteriores.

Num momento em que diversos especialistas alertam para a necessidade de uma nova reforma da Previdência, diante do envelhecimento populacional mais acelerado do que o previsto no Brasil, o bom senso exige, ao menos, a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo. Apenas essa medida representaria uma economia acumulada de R$ 400 bilhões até 2035, como estima o Centro de Liderança Pública (CLP).

Há dois meses, depois de mencionar uma possível desvinculação como parte das medidas para reduzir o gasto público, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, foi alvo de uma saraivada de críticas do PT. Em audiência pública na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, acabou restringindo a defesa à desvinculação do seguro-desemprego, do abono salarial e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a aposentadoria paga a idosos de baixa renda mesmo que não tenham contribuído para o INSS.

Apesar de ser um tema sensível e potencialmente impopular, a revisão da paridade nos reajustes de ativos e inativos tem de ser discutida com a seriedade e urgência que o crescente déficit previdenciário exige. Trata-se de uma demanda particularmente complicada num governo em que o próprio ministro da Previdência, Carlos Lupi, nega de forma reiterada a existência do déficit comprovado pelos números. Para completar, Lula da Silva tem verdadeira ojeriza a temas que possam comprometer sua popularidade.

Não fosse assim, revisões como a desvinculação do salário mínimo e aposentadorias, além de debates em torno da ampliação da reforma de 2019, como a mudança de estrutura da aposentadoria dos militares, por exemplo, já estariam em pauta e poderiam contribuir de forma ampla para o equilíbrio das contas públicas. No último relatório de receitas e despesas, o governo aumentou em R$ 11,7 bilhões a projeção de despesas para 2024 com o pagamento do BPC e despesas da Previdência Social, o que obrigou a equipe econômica a fazer o bloqueio de R$ 11,2 bilhões.

De acordo com o CLP, a desvinculação do piso da Previdência do salário mínimo, combinada com reformas na aposentadoria rural, poderia resultar em uma economia equivalente a quase 1% do PIB. Isso não só aliviaria o déficit público, como liberaria recursos para áreas críticas como saúde, educação e infraestrutura. No primeiro semestre do ano, as contas do setor público registraram déficit primário de R$ 43,4 bilhões, mais do que o alcançado no mesmo período no ano passado.

Os números gritam, mas parecem incapazes de sensibilizar o presidente Lula da Silva, que prefere optar por mais promessas de aumento real do salário mínimo atrelado ao piso das aposentadorias mesmo ao arrepio da lógica econômica. Mas, como se sabe, a única contabilidade que importa a Lula é a de votos.