Na sabatina de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal (STF), a rigor quem foi sabatinado não foi o ministro da Justiça do governo Lula da Silva, e sim a própria Corte constitucional. Há um fato incontestável, sobre o qual os ministros do STF não podem fingir ignorância: a percepção do País sobre o Supremo mudou significativamente ao longo dos últimos anos.
O cenário é extremamente desafiador não porque a Corte tenha de ser popular, pois ela não tem essa obrigação. Seu papel é, por essência, contramajoritário. Mas, para que seja capaz de cumprir sua missão institucional, o STF precisa ser respeitado. Ele tem de ter autoridade e, infelizmente, como tem ficado cada vez mais evidente nos últimos tempos – e a sabatina foi mais uma confirmação neste sentido –, ele vem perdendo essa indispensável autoridade.
Não há dúvida de que a atuação do Supremo foi fundamental para o País nos últimos anos. Também não há dúvida de que determinados grupos políticos transformaram o enfrentamento à Corte constitucional em bandeira política. Não cabe ingenuidade. Existe gente que se opõe ao Estado Democrático de Direito, com separação de Poderes, Judiciário independente e eleições livres, por exemplo. Logicamente, essa turma vai fazer ferrenha oposição à Corte cujo principal papel é defender a Constituição.
Mas a deterioração da autoridade do STF não é decorrência da sua atuação em defesa da democracia e da Constituição. Não é isso que vem corroendo o respeito da população pelo Supremo. As causas da perda de autoridade da Corte são de outra natureza, como ficou evidente durante a sabatina de Flávio Dino.
Essas causas podem ser resumidas em três percepções: a politização da Corte, o protagonismo individual de seus integrantes e a falta de exemplaridade de alguns ministros, sobretudo em relação ao que a lei prevê como deveres da magistratura.
O provérbio é conhecido: à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta. Pois bem, os ministros do STF são magistrados e devem parecer-se com magistrados. Discretos, eles devem falar apenas nos autos. Juristas, devem atuar com base em argumentos jurídicos, e não segundo conveniências políticas. Servidores públicos, devem se ater às competências e aos limites do cargo.
Em respeito ao País e à própria instituição que integram, os ministros do STF têm um amplo dever de casa a cumprir. Não é apenas o mais novo integrante do Supremo, Flávio Dino, que precisa aprender a profunda diferença existente entre a atividade política e a da magistratura. É tempo de revisar práticas, tons e costumes na Corte.
O Congresso agora discute uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) a respeito de decisões monocráticas em ações diretas de inconstitucionalidade. O presidente e o decano do STF criticaram duramente a proposta, como se fosse uma medida extraordinária. Ora, a tal PEC só existe porque o STF vem descumprindo aberta e largamente a Lei 9.868/99, na qual se estabelece que “medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do tribunal”.
Para restaurar e revigorar a autoridade do STF, não são necessárias ações mirabolantes. O caminho é mais fácil e acessível. Trata-se de uma mudança de atitude: o respeito humilde e silencioso à lei. Os ministros do Supremo não são senhores, mas servos da lei e da Constituição.
É preciso reconhecer: se as deficiências do STF ficaram à mostra na sabatina, não foi por mérito do Senado, que, além de manter a tradição de sabatinas frouxas, com perguntas superficiais e infantis, realizou uma exótica sessão conjunta, na qual também foi avaliado o procurador Paulo Gonet, nome indicado para a Procuradoria-Geral da República (PGR). Em vez de desempenhar de forma responsável e altiva suas importantes atribuições constitucionais, o Senado optou por realizá-las de tal maneira que sua falta de seriedade fosse notada o menos possível.
Mas que ninguém se engane. Mesmo diluído na tal sessão conjunta, o descuido do Senado com seu dever constitucional será sentido por décadas.