O vice-presidente Geraldo Alckmin julga ter encontrado uma solução mágica para reduzir as altas taxas de juros brasileiras. Para ele, em vez de tomar decisões com base na inflação cheia, o Banco Central (BC) deveria excluir itens mais voláteis como alimentos e energia elétrica para tomar suas decisões sobre a política monetária. “Entendo sim que é uma medida que deve ser estudada pelo Banco Central brasileiro”, afirmou, ao participar de um evento realizado pelo jornal Valor.
Juros elevados, na avaliação de Alckmin, só aumentam a dívida e prejudicam a economia sem resolver a origem dos problemas. “Não adianta aumentar os juros que não vai chover”, disse, ao discorrer sobre o impacto do clima na produção agrícola. “Não adianta aumentar os juros que não vai baixar o preço do barril de petróleo. É guerra, é geopolítica”, acrescentou.
Por mais pueris que pareçam, declarações como a do vice-presidente não devem ser menosprezadas. Ao falar sobre a inflação de forma tão irrefletida, Alckmin não revela somente seu próprio desconhecimento, mas a incompreensão de boa parte do governo sobre um fenômeno que tem corroído a popularidade do presidente Lula da Silva.
Uma Selic elevada não faz chover nem impede conflitos internacionais, mas contém o ímpeto dos consumidores por adquirir outros produtos e serviços cujos preços sobem tanto ou mais que os alimentos e o barril de petróleo. Reduzir a demanda é, portanto, um meio para moderar o aumento dos preços de maneira geral.
Aumentar os juros seria uma estratégia ineficaz se o problema da inflação estivesse de fato restrito ao comportamento de poucos itens, como alimentos e energia elétrica. Mas não é isso que o índice mostra. Em 12 meses, a inflação registrou alta de 5,06%, ou seja, superou a meta de 3% e seu teto de 4,50%. Não se pode atribuir esse resultado unicamente às tarifas de energia, que subiram significativamente no mês passado depois da redução pontual registrada em janeiro, quando houve um desconto nas contas de luz em razão do bônus de Itaipu.
Afinal, em fevereiro, oito dos nove grupos que compõem o IPCA tiveram alta de preços, bem como 61% de todos os itens pesquisados. E, ainda que se leve em conta apenas os alimentos, o índice de difusão mostrou que 55% dos produtos alimentícios subiram no mês passado. Não é algo que esteja limitado a café e ovo, como o governo tenta fazer parecer.
Não ficou muito claro, mas supõe-se que Alckmin tenha se referido à possibilidade de que o Banco Central passe a considerar também os núcleos da inflação, que excluem choques temporários, e não somente o índice cheio, que leva em conta uma cesta de consumo mais ampla de produtos e serviços. Mas o BC já faz isso, e os núcleos tampouco mostram nada muito diferente. De acordo com o Broadcast, a média de cinco núcleos acompanhados pela instituição atingiu 4,64% nos 12 meses encerrados em fevereiro, também acima da meta, portanto.
O IPCA representa a variação de preços de uma cesta de produtos e serviços que reflete o consumo de 90% das famílias brasileiras em áreas urbanas. A percepção que cada um tem sobre a inflação pode ser maior ou menor, mas isso não invalida a apuração do IBGE. Isso porque a relevância de um índice confiável de inflação está no fato de que ele espelha o valor da moeda brasileira ao longo do tempo.
Não é difícil compreender esse conceito na prática. Basta ir a um supermercado para perceber que o dinheiro não compra mais aquilo que comprava no passado. É improvável encontrar alguém disposto a relativizar essa questão, a não ser que essa pessoa frequente a Esplanada dos Ministérios.
Passados mais de 30 anos do único plano econômico que debelou a hiperinflação, o Real, é inacreditável que integrantes do governo Lula ainda tenham tanta dificuldade para entender a dinâmica da evolução dos preços na economia. A recusa em compreender o fenômeno a fundo mais parece negação do que ignorância.
Há meses o governo Lula da Silva anda em círculos tentando eleger vilões e encontrar culpados pelo avanço dos preços. Usar de subterfúgios para reduzir a importância da inflação cheia é o mesmo que combater uma febre alta sem administrar antitérmicos. O paciente continuará a sentir calafrios, ainda que o médico quebre o termômetro para convencê-lo de que está tudo bem.