Dias depois de a Câmara dos Deputados adiar a votação do Projeto de Lei (PL) 2.630/2020, que dispõe sobre um novo marco jurídico para as plataformas digitais, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou para julgamento a ação que questiona a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Não poucas pessoas viram no gesto de Dias Toffoli uma resposta do Judiciário ao adiamento da votação. Seria uma espécie de ameaça: se o Congresso não assegurar uma maior responsabilidade das plataformas, o STF fará pela via judicial essa responsabilização, declarando inconstitucional o art. 19.
Seja qual for a disposição do ministro Dias Toffoli com a liberação para julgamento da ação – medida, em si, corriqueira e irrepreensível: os processos devem ir a julgamento pelo colegiado da Corte –, o fato é que o histórico recente do STF suscita preocupação. Cabe, portanto, adverti-lo sobre os limites de suas competências dentro de um Estado Democrático de Direito. Não é papel do Supremo invocar inconstitucionalidade como forma de pressionar o Legislativo.
Não há dúvida de que o Congresso tem a responsabilidade de prover um marco jurídico adequado para as redes sociais. A cada dia fica mais evidente a insuficiência do Marco Civil da Internet para regular essa nova e plenamente instaurada realidade digital, que produz incontáveis efeitos sobre a vida social, política e econômica do País. No entanto, a decisão sobre quando e como fazer essa nova regulação cabe apenas e tão somente ao Legislativo.
É preciso muito cuidado com as chamadas “omissões legislativas”. O Congresso também se manifesta politicamente por meio de seus adiamentos e de suas não decisões. Não cabe ao Judiciário definir os tempos do Legislativo, já que essa definição é parte essencial da própria política. O silêncio do Congresso é uma opção política perfeitamente legítima.
No Estado Democrático de Direito, a Constituição é quem define o concreto equilíbrio entre os Poderes. Nela, não se encontra nenhuma autorização para o Judiciário substituir o Legislativo. O que se tem é o exato contrário. Os dois remédios constitucionais para a falta de regulamentação têm requisitos exigentes e consequências determinadas.
O mandado de injunção deve ser concedido somente quando “a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (art. 5.º, LXXI). No caso de provimento de ação de inconstitucionalidade por omissão, o STF apenas dá “ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias” (art. 103, § 2.º).
No tema sobre a responsabilidade das plataformas digitais, a situação é muito diferente. Por mais que possa ser reconhecida sua insuficiência para regular as novas dinâmicas digitais, o Marco Civil da Internet é perfeitamente constitucional. Não viola a Constituição estabelecer, tal como faz o art. 19, que o provedor de aplicações de internet só pode “ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros” se, depois de uma ordem judicial, não tomar as providências devidas.
Não é tarefa do Judiciário dizer se um texto de lei está desatualizado ou insuficiente – ou ainda que, dadas as circunstâncias atuais, suas limitações superam seus benefícios. Isso é uma decisão política, que deve ser tomada pelos parlamentares eleitos pelo voto popular. Transformar o controle de constitucionalidade num juízo de conveniência política é atropelar a democracia representativa.
É fundamental que o Congresso consiga prover um novo marco jurídico para as plataformas digitais. Mas eventuais dificuldades na tramitação do PL 2.630/2020 não são pretexto para que o Judiciário se torne órgão legislador, vendo inconstitucionalidade onde nunca houve. No Estado Democrático de Direito, a política e a cidadania não precisam da tutela de juízes.