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Negligência na cantina da escola

Pesquisa mostra que ultraprocessados dominam vendas, um grave risco à saúde de crianças

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Por Notas & Informações
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Alimentos ultraprocessados dominam o cardápio de cantinas das escolas particulares no Brasil. Esses estabelecimentos vendem, em média, 50% mais ultraprocessados do que alimentos in natura ou minimamente processados, segundo a pesquisa Comercialização de Alimentos em Escolas Brasileiras (Caeb).

Foram analisadas informações de 2.241 cantinas de todas as capitais do País e do Distrito Federal entre 2022 e 2024. E os dados, coletados pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com mais 23 instituições, deveriam preocupar gestores escolares, autoridades públicas e, sobretudo, os pais.

O menu dessas cantinas favorece a obesidade. O temor dos pesquisadores com o que os alunos comem se justifica, haja vista que cerca de 30% das crianças e dos adolescentes hoje estão acima do peso, segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS).

A concorrência com a alimentação saudável, porém, é desleal. Ultraprocessados, que comprovadamente fazem mal à saúde, são mais baratos do que alimentos in natura e são expostos nos pontos de venda nas escolas de forma a chamar a atenção. São refrigerantes, salgados com recheios ultraprocessados, bombons e chocolates, salgadinhos de pacote e biscoitos recheados.

Trata-se de um convite a hábitos nada saudáveis. Como afirmou ao Estadão a professora Larissa Loures, do Departamento de Nutrição da UFMG e coordenadora da pesquisa, “quanto mais cedo o contato (com alimentos ultraprocessados)”, maior a exposição a “uma série de fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis”.

Nas escolas públicas, já há ações para inibir o consumo desses alimentos. Por diretriz do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), a compra de processados e ultraprocessados é limitada a 20% do orçamento da merenda escolar.

Cessar esse círculo vicioso da má alimentação, seja nas escolas públicas, seja nas privadas, é um dever coletivo – espontaneamente, esse cenário não mudará. Prova disso é o efeito de uma lei estadual no Rio Grande do Sul que proíbe a venda de produtos que causam obesidade, diabetes e hipertensão em cantinas escolares. Não à toa, as cantinas das escolas de Porto Alegre são hoje as que servem a alimentação mais saudável, segundo a pesquisa.

Na Câmara dos Deputados, um projeto de lei para vetar refrigerantes nas escolas tramita há 14 anos. Já no Senado, um projeto para proibir ultraprocessados e bebidas com alto teor de caloria, gordura e açúcar em cantinas teve a votação adiada no dia 13 de novembro de 2024 e sabe-se lá quando voltará à discussão na Casa.

Como se vê, o assunto não parece ser uma prioridade. Mas deveria, pois, segundo o artigo 227 da Constituição, “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade”, uma série de direitos, entre eles a alimentação e a saúde, que só se alcançam com uma alimentação minimamente saudável. Hoje, com o nível de informação disponível sobre os danos causados pelos alimentos ultraprocessados, não há mais desculpa para a negligência de escolas, pais e Estado com a alimentação dos estudantes.