Desde o início de julho, estou em uma temporada de estudo (e de trabalho a distância) na Inglaterra. Compartilho uma experiência que me acompanha desde que aqui cheguei. Nesse período, tenho convivido com profissionais, pesquisadores e estudantes de diferentes nacionalidades. No programa em Oxford, por exemplo, havia alemães, americanos, árabes de diversos países, austríacos, canadenses, chineses, dinamarqueses, espanhóis, gregos, holandeses, indianos, ingleses, italianos, japoneses, paquistaneses, poloneses, russos, suíços e ucranianos. Em todas as vezes que falei que era do Brasil, a reação imediata foi extremamente positiva: alegria, acolhimento, admiração. E tenho de reconhecer: não vi nada minimamente similar em relação a nenhuma outra nacionalidade.
A rigor, essa experiência não tem nada de exclusiva ou de inédita. É uma reação frequentemente relatada por brasileiros que viajam ao exterior. De tão habitual e comum, tendemos a considerá-la normal: uma peculiaridade positiva do nosso país, mas, no fim das contas, sem grande transcendência. O mundo tem carinho pelo Brasil, ponto.
Esse modo de ver as coisas é, na minha opinião, um equívoco. Sob a pretensão de sermos realistas e não ingênuos, deixamos escapar a dimensão real dos fatos. Encaramos uma realidade admiravelmente excepcional como sendo normal, banal. E, com isso, perdemos muitas oportunidades.
A percepção positiva sobre o Brasil é um ativo importantíssimo do País. Para o turismo, obviamente, mas não só para ele. A boa receptividade do mundo com o Brasil abre inúmeras portas de comunicação e de interação com as pessoas e as instituições de outros países. Aqui, não me refiro às relações entre países – essenciais, por certo –, mas a uma outra perspectiva. Falo do modo como os outros povos, não os outros governos, nos veem. Há, por exemplo, um enorme espaço para o made in Brazil ser percebido como um valor agregado maior.
Somos referência na produção de alimentos. Somos referência em preservação ambiental. Somos referência em energia limpa. Somos referência em alegria. Somos referência, apesar de todos os pesares, de país acolhedor, humano. Todos esses pontos tendem a ter ainda mais relevância no futuro. Por que desaproveitá-los, tratando-os como banais ou mesmo, como às vezes ocorre, ignorando-os?
Mas a percepção positiva dos estrangeiros sobre o Brasil não diz respeito apenas às relações internacionais. Seu principal fruto pode estar no próprio âmbito interno. Ela pode – e deve – ter um impacto profundo sobre nossa compreensão de país e sobre nossa autoestima enquanto sociedade.
Sejamos sinceros. Somos ainda, enquanto sociedade, um pouco adolescentes em nossa relação com o Brasil, alternando picos de euforia e de ufanismo com largos períodos de complexo de inferioridade, de estranhamento, de fastio, de desesperança. Muitas vezes, esses estados de ânimo coletivo não têm nenhum fundamento nos fatos. No entanto, eles produzem consequências reais sobre o presente e o futuro do País.
Nossa compreensão do País afeta diretamente o modo como agimos enquanto sociedade. Se estamos dispostos a investir nossos melhores esforços no País. Se acreditamos na possibilidade efetiva de o Brasil desenvolver-se, não como ilusão infantil, mas como resultado concreto da coordenação de nossas ações, de nossas energias, de nossos recursos, de nossas habilidades.
A percepção externa é importante porque nos oferece parâmetros de comparação, amplia o nosso olhar. A avaliação positiva dos estrangeiros não é fruto da ignorância. As pessoas sabem da nossa desigualdade escandalosa e da nossa vulnerabilidade social persistente. E também sabem, em grandes linhas, do nosso presente. Nas perguntas que me fazem aqui sobre o Brasil, os três temas mais frequentes são: o funcionamento de nossas instituições democráticas, a cisão ideológica da população brasileira e a política ambiental. Ou seja, as pessoas podem não estar inteiradas dos detalhes do dia a dia, mas têm ideia de por onde as coisas têm ido.
Eis o desafio. Sem dourar a realidade, sem ignorar os problemas, sem fingir que, em vários aspectos, retrocedemos nos últimos anos, nas últimas décadas, é preciso entusiasmar-se com o nosso país: com suas potencialidades e, sim, também com seu presente, com sua gente, com sua cultura, com suas peculiaridades.
Nessa trajetória de melhor compreensão, de amadurecimento do nosso olhar, naturalmente encontraremos aspectos difíceis, assuntos desagradáveis, coisas repugnantes que nos indignam. Qual é a reação que desejamos ter? Acusar o lado político oposto? Esconder debaixo do tapete os problemas e suas causas?
Talvez o grande passo nessa autocompreensão do País seja inteirar-se de que ele é nosso. Suas misérias são nossas misérias. Suas grandezas são nossas grandezas. Suas potencialidades são nossas potencialidades. Sentir-se mais corresponsável por seu passado, por seu presente e por seu futuro. Não é fardo, mas a incrível aventura de saber-se filho – profundamente devedor – de sua terra, de seu povo.
*
ADVOGADO
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.