Há 21 anos, com um ano de formado, desembarquei em São Paulo, vindo do Rio de Janeiro. Fui e sou feliz nesta cidade, que desde o primeiro momento me acolheu muito bem. Dessa mudança, um dos principais pontos positivos foi a inédita sensação de segurança. Sentia-me seguro aqui. No Rio, havia sido assaltado diversas vezes: bicicleta, mochila, relógio de pulso, carteira, Palm. Ser assaltado era algo frequente, habitual, esperado. Tinha até a carteira do ladrão, com uma nota de R$ 5. Em São Paulo, deparei-me com outra realidade. Claro que precisava tomar cuidado, mas o ambiente era completamente diferente. Por muitos anos, não sofri aqui nenhuma tentativa de assalto.
Vivenciei, na própria pele, o que a sensação de segurança pode provocar na vida de uma pessoa. Uma nova experiência de liberdade. Uma nova tranquilidade no dia a dia, especialmente ao andar na rua. Uma reconfiguração do olhar em relação ao outro, que deixava de ser visto como fonte de perigo.
Infelizmente, tenho de admitir que isso mudou nos últimos anos. Em 2022, tive um celular roubado e, logo após, houve uma sequência de golpes digitais. Meses depois, sofri uma tentativa de roubo da minha moto num cruzamento da Avenida Faria Lima. Passei a ver no entorno da Praça da República a atuação constante de gangues de bicicleta roubando celulares; muitas vezes, na mesma calçada em que a viatura da polícia estava estacionada. Foram pequenas coisas – que não servem de diagnóstico sobre o quadro geral da segurança pública –, mas elas fizeram com que a violência voltasse a estar perto de mim. Minha percepção de segurança mudou.
Recentemente, o Estadão noticiou que, na tarde de 22 de dezembro, três homens roubaram uma moto num sinal da Avenida Faria Lima. A notícia reacendeu meus questionamentos. Não conseguimos sequer fazer a Faria Lima segura num domingo? O que dizer de outras regiões da cidade, mais distantes dos holofotes, mas não menos importantes para a população?
Ao mesmo tempo, houve considerável aumento da violência policial; em concreto, cresceu vertiginosamente o número de mortes causadas por policiais. Responsável pela segurança pública e pela polícia, o governo estadual vinha transmitindo, sem meias palavras, uma mensagem de tolerância com tal violência. Constata-se, assim, como a brutalidade policial não produz segurança, tampouco dissuade quem deseja praticar crimes. Roubam sem pudor em plena Faria Lima.
É desolador ver o Estado mais desenvolvido da Federação perdido na prevenção e na repressão da criminalidade – e ainda flertando irresponsavelmente com o retrocesso, como no caso das câmeras policiais. É desolador que alguém possa achar que o atual secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo tenha capacidade para ocupar o cargo, uma das posições mais importantes, complexas e difíceis da administração estadual. Qual é a nossa compreensão da relevância da segurança pública, em suas várias dimensões? Não se deveria investir nela os melhores talentos? Os mais completos, articulados, sensatos e responsáveis nomes?
É desolador ver o governo federal apostar suas fichas na área de segurança pública numa proposta de mudança do texto constitucional, como se o principal problema fosse uma questão de marco jurídico equivocado. Certamente, é sempre possível melhorar o quadro normativo. Mas achar que teremos outra segurança pública em razão de novos artigos na Constituição é de um irrealismo desconcertante. Qual é a visão de conjunto do governo federal sobre a insegurança pública, que afeta todas as classes sociais? Que contribuição efetiva espera dar?
É desolador ver um chefe do Executivo estadual afirmar em destempero populista: “Não vou botar câmera em policial meu”. Na curta frase do governador de Goiás, há toda uma sequência de erros que explicam por que estamos nessa situação. Confunde-se o público com o privado: é a “minha” polícia. Rejeita-se a própria ideia de política pública: ignoram-se os dados, ignoram-se as experiências positivas, ignora-se o dever básico de qualquer agente estatal, para reafirmar o voluntarismo, a violência, a não transparência, a atuação fora da lei.
Há reiterada demanda social por segurança pública. Quem se adiantar – quem, nesse mar de mediocridade, souber fazer algo sério, responsável, articulado, baseado em evidências, com visão e ações de curto, médio e longo prazos – terá seu nome registrado na História e será lembrado por muitas e muitas décadas. Não é um problema insolúvel. Diversas cidades e países enfrentaram seu cenário de criminalidade e foram capazes de instaurar um novo panorama de paz e tranquilidade. No entanto, para entrar na História, é preciso parar de perder oportunidades, é preciso trabalhar.
Um detalhe que não é só um detalhe. Na promoção de uma cultura de paz, os pequenos exemplos importam. Não cabe confundir assertividade e convicção com brutalidade. É possível ter têmpera, ser resoluto, sem agressividade. É tempo de o governador de São Paulo ter outra atitude ao bater o martelo nos leilões do Estado.
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