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Advogado e Jornalista

Opinião|Os 30 anos do Plano Real e a segurança pública

O Plano Real ensina que é possível mudar, mas não se muda fazendo o mesmo de sempre. É evidente que assim não dará certo

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Além de merecerem abundantes aplausos, os 30 anos do Plano Real podem fornecer luzes importantes para os desafios atuais do País. Penso, em concreto, na segurança pública, que é um tema decisivo para o Brasil e, sim, precisa urgentemente de outro patamar, a começar por um novo patamar de compreensão do problema.

O Plano Real explicita que é possível mudar. Não temos de nos acostumar com situações objetivamente absurdas, simplesmente porque o presente é muito difícil: porque os problemas, em vez de diminuírem, cresceram ao longo do tempo.

Esse aspecto é muito importante no Brasil, onde se vê uma enorme descrença na capacidade do Estado – de forma específica, da política – de enfrentar os problemas nacionais. Ao derrotar uma inflação persistente, que parecia invencível, o Plano Real mostrou a falácia desse pessimismo. Eis a verdade desvelada pelo Plano Real: um governo tem a capacidade de mudar positivamente, de forma verdadeira e estável – não apenas até a eleição seguinte –, a vida da população.

No tema da segurança pública, há muita desesperança. Nota-se uma percepção muito difundida de que o Estado brasileiro seria radicalmente incapaz de prover ordem e paz. Entre outros efeitos, isso facilita a adesão a propostas equivocadas e contraproducentes, mas que parecem oferecer, no curto prazo, algum alívio. A descrença em soluções genuínas é fermento da atratividade das propostas populistas.

Em segundo lugar, o Plano Real ensina que é possível mudar, mas que não se muda fazendo o mesmo de sempre. O caminho não é repetir aquilo que já deu errado.

Isso é um tanto óbvio, mas, na segurança pública, temos enquanto sociedade insistido nas mesmas falsas soluções, na ilusão de que poderão dar algum resultado. Parece que estacionamos no Plano Cruzado – e, a cada turno, voltamos a editá-lo teimosamente. É evidente que assim não dará certo.

O terceiro ponto é, no meu entender, um dos aspectos mais bonitos do Plano Real: a cooperação entre a política e a academia. No desenho das soluções novas – daquilo que realmente pode fazer a diferença na vida da população –, o Plano Real explicita que a ciência é fundamental. As políticas públicas devem estar inspiradas e baseadas em conhecimento científico.

Na segurança pública, ainda estamos engatinhando nesse ponto. As políticas públicas não apenas não se baseiam no que a ciência tem descoberto, como há um deboche – verdadeiro desprezo – pelas evidências científicas que a academia tem reunido ao longo do tempo. Basta ver o modo como alguns governos estaduais lidam com as estatísticas positivas das câmeras policiais. É evidente que assim não dará certo.

Há algumas honrosas exceções, mas deve-se admitir que, no campo da segurança pública, as soluções adotadas por diversos governos têm sido populismo, populismo, populismo. O tema é ainda tratado de forma simplista, como se exigisse um único e genérico remédio: mais força bruta.

Estreitamente ligada ao ponto anterior, a quarta lição do Plano Real relaciona-se à necessidade de uma compreensão profunda do problema. Ter um diagnóstico correto é fundamental para o desenho das soluções. Entre outros temas, o sucesso do Plano Real envolveu uma compreensão muito assertiva da dinâmica entre inflação e responsabilidade fiscal.

Isso tem consequências importantes. As soluções corretas têm um custo político. Elas geram muitos dividendos políticos depois, mas o cenário que todo mundo deseja requer ações que, a princípio, ninguém gosta. Segundo: os problemas, por piores que sejam, beneficiam alguém. No caso da inflação, o próprio governo precisava dela, como meio de manter seu desequilíbrio fiscal.

Na segurança pública, ter um diagnóstico correto é fundamental, especialmente porque ela não se refere a um único problema, mas a um conjunto deles. A criminalidade das ruas, que tanto impacta sobre a sensação de segurança, tem desafios diferentes que os das facções criminosas. E cada uma das soluções tem um custo político. Nada é indolor.

É inegável, por exemplo, que a atual legislação das drogas, levando a um encarceramento massivo de jovens, tem oferecido às facções criminosas abundante mão de obra. No entanto, rever essa legislação tem um custo político. Assim, prometer congelamento de preço parece mais fácil do que enfrentar o problema.

Por último, destaco o papel da comunicação. O Plano Real evidencia que não bastam soluções técnicas adequadas. Os obstáculos não são insuperáveis, mas exigem um reenquadramento comunicativo. Para a política ser capaz de entregar mudanças profundas, é preciso atuar também em camadas pré-políticas: na percepção da população sobre o problema. Nesse aspecto, pode-se dizer que está tudo por fazer na segurança pública. Assim como ocorreu no Plano Real, a imprensa pode ajudar muito na construção dessa racionalidade.

A experiência do Plano Real tem muito a contribuir além da economia. A ousadia, a inteligência, a coragem e a persistência dos que o implementaram são virtudes que devem permear todas as políticas públicas. Não as desperdicemos.

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ADVOGADO

Opinião por Nicolau da Rocha Cavalcanti

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