Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Normalização institucional

Após anos de confusão de papéis, os militares afinal são chamados para tratar só de temas militares

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Por Notas & Informações
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O País começa a entrar no eixo da normalidade institucional. É notável que, de uns tempos para cá, quando se ouve falar das Forças Armadas, o que está em pauta são questões, ora vejam, afeitas à caserna. É o caso, por exemplo, da movimentação de tropas e equipamentos para Roraima, a fim de proteger o território nacional, haja vista a crise fronteiriça entre a Venezuela e a Guiana.

Para este jornal, é um tanto constrangedor ter de apontar o óbvio à luz da Constituição de 1988. Na Lei Maior estão muito bem delineados os papéis e responsabilidades de civis e militares na ordem institucional pós-ditadura. Aos militares da ativa não cabe, sob nenhuma hipótese, imiscuir-se em questões políticas. O poder político é civil, ao qual as Forças Armadas estão submetidas na figura de seu comandante em chefe, o presidente da República. Os militares não têm qualquer ingerência sobre tudo o que extrapola a defesa nacional.

Por mais evidente que isso fosse, criou-se deliberadamente uma confusão no País, que contaminou por anos o debate público, acerca da atuação das Forças Armadas no Estado Democrático de Direito. A barafunda, como se sabe, foi urdida e estimulada pelo então presidente Jair Bolsonaro, que saiu do Exército em desonra para, décadas depois, transformar as Forças Armadas, particularmente a Força Terrestre, num instrumento de governo – ou, pior, numa espécie de guarda pretoriana com a qual ameaçou a Nação não poucas vezes.

A bem do País, isso parece superado. “Olhando para trás, vejo muitos obstáculos e dificuldades que se interpuseram em nosso caminho. Mas vejo, também, muito empenho, trabalho, obstinação e entregas à sociedade”, disse o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante a confraternização de fim de ano entre o presidente Lula da Silva e os comandantes das três Forças.

Como noticiou o Estadão, o almoço transcorreu em clima festivo e cordial. São conhecidas as diferenças entre Lula e os militares. O presidente, vale lembrar, assumiu o terceiro mandato sob uma atmosfera de desconfiança mútua entre governo e caserna, justamente pelo passado de associação direta entre alguns oficiais e o então presidente Bolsonaro. A rigor, para o País pouco importa se Lula gosta dos militares ou se estes nutrem simpatia pelo presidente. O que é mandatório é que cada um respeite sua posição institucional e aja de acordo com a Constituição.

Evidentemente, não seria no intervalo de um ano que o esforço para dissociar as Forças Armadas do bolsonarismo haveria de ser esgotado. Mas a confraternização vale por seu aspecto simbólico. Ela sintetiza, afinal, o que o País tem visto: os militares, em geral, deixaram as páginas de política dos jornais para serem lembrados por suas atribuições específicas. Que assim continue.

O mais importante a ser destacado é que o compromisso das Forças Armadas com o Estado Democrático de Direito não depende do humor de seus comandantes nem dos sentimentos do presidente da República. Trata-se de um dever constitucional – com o qual todos esses atores parecem estar de acordo.