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Novos problemas, velhas práticas no ensino superior

Ante pressões de grevistas das instituições federais de ensino, o governo adia soluções de longo prazo e responde com os artifícios de sempre: mais obras e mais concessão de bolsas

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Por Notas & Informações
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Se a fé move montanhas, como diz o ensinamento bíblico, dinheiro e obras movem popularidade, informa o evangelho lulopetista. Só essa convicção explica tamanha obsessão do governo de responder a crises e desafios complexos com obras e recursos, preferencialmente no formato de concessão de bolsas e anúncios palanqueiros de novas instalações físicas.

Foi o que se viu nesta semana, quando o presidente Lula da Silva e o ministro da Educação, Camilo Santana, anunciaram um novo pacote de investimentos: cerca de R$ 5,5 bilhões de recursos federais integrarão o Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC) para a consolidação de universidades federais, a criação de 10 novos campi e a melhoria da infraestrutura de 31 hospitais universitários, com a criação de 8 novos hospitais. O governo também anunciou a ampliação do Programa Bolsa Permanência (PBP), destinado a estudantes de baixa renda – tudo em meio à extensão da greve de professores e servidores das instituições federais de ensino, hoje divididos entre um sindicato que deseja encerrá-la e outro que, de maneira inflexível, espera prolongá-la.

Eis o viço do governo: anúncios envolvendo cifras bilionárias, abertura de novas vagas e concessão de bolsas costumam estar entre as prioridades, sobretudo quando o governo, confrontado por ausência de melhores soluções de médio e longo prazos, recorre ao atalho habitual dos anúncios de impacto. Não há dúvida sobre as deficiências na infraestrutura das universidades federais, onde são escassos os recursos para manter a salubridade de salas de aula, bibliotecas e auditórios, assim como ampliar e preservar a qualidade de laboratórios, refeitórios, moradias, equipamentos de saúde e centros de convivência. E, assim como o recém-anunciado Pé-de-Meia – bem-vindo programa de transferência de recursos para incentivar estudantes a permanecer no ensino médio –, também é inquestionável a relevância de bolsas para estudantes mais pobres seguirem nas instituições federais de ensino.

Obras e recursos são relevantes, mas insuficientes quando se permanece na superfície dos números. Há um método recorrente, com o qual Lula reafirma sua crença inabalável no poder do ensino superior e na sua aposta pela expansão, dando atenção desmedida à criação de unidades e à expansão de vagas, enquanto dedica menos espaço e cuidado ao que é mais complexo e invisível: o aprimoramento da gestão, o aperfeiçoamento dos sistemas de avaliação e a resolução dos problemas de eficiência, incluindo formas de contratação, qualidade da produção de pesquisa, modelos de aproximação com o setor privado e modernização dos currículos e práticas acadêmicas.

Se é verdade que as localidades dos novos campi universitários foram escolhidas com base nos critérios de cobertura de matrículas públicas, também é verdade que o governo ainda deve uma mudança de rota na sua escala de prioridades. Primeiro, precisa perceber que graduação vai muito além de um diploma, sendo necessário redefinir políticas públicas e reformular processos pedagógicos para superar o problema da (má) qualidade da educação superior. Segundo, convém reconhecer que, juntamente com mais recursos e mais vagas, é preciso construir melhores políticas de incentivos e desincentivos para o melhor uso do orçamento público. Terceiro, é hora de iniciar uma inadiável revisão de prioridades, uma vez que o Brasil investe no ensino superior com padrão de país rico e investe na educação básica no nível de segunda classe – o inverso do que ensinam boas práticas apontadas pela literatura especializada.

Acossado pela greve, no entanto, o governo recorre aos artifícios de sempre. “Se vocês analisarem o conjunto da obra, vão perceber que não há muita razão para essa greve estar durando o que está durando, porque quem está perdendo não é o Lula, não é o reitor, são o Brasil e os estudantes brasileiros”, disse Lula, em encontro com reitores. Ele tem razão. Mas há de oferecer-lhe uma constatação adicional, que também desabona o presidente: o Brasil perde duplamente, reprovado no teste das más escolhas, seja por uma paralisação que prejudica os alunos e o País, seja pelos atalhos demagógicos escolhidos pelo governo para atenuar as pressões dos grevistas.