O presidente Lula da Silva lançou dúvidas sobre a reforma do ensino médio, iniciativa que começou a ser implementada no ano passado nas escolas de todo o País. Em recente entrevista à TV 247, ele afirmou que a reforma “não vai ser do jeito que está” e prometeu ouvir alunos e professores para elaborar um novo formato. Ecoou, assim, críticas de setores do meio acadêmico, de sindicatos de professores e de organizações estudantis que se opõem à medida − e, equivocadamente, pedem a sua imediata revogação.
A reforma do ensino médio é um passo sério na direção correta. Surgiu de uma necessidade concreta da sociedade brasileira, em razão de baixíssimos índices de aprendizagem e de altas taxas de evasão. Como toda política educacional, não é algo que se faça de um dia para outro. Cabe reiterar que a atual reforma chegou às salas de aula em 2022. Logo, seu ciclo de implementação só será concluído em 2024, quando, pela primeira vez, os concluintes do ensino médio terão cursado as três séries dessa etapa sob o novo formato.
Falar em revogação da reforma neste momento é ignorar que o Novo Ensino Médio não foi sequer implementado por inteiro. A rigor, uma política educacional com a profundidade e a amplitude dessa reforma − algo que mexe na vida de milhões de estudantes e de milhares de professores − deveria ser julgada a partir de resultados. Mas não há como cobrar resultados antes que a reforma se complete. Menos ainda sem que as redes de ensino tenham tempo para promover os aperfeiçoamentos necessários. Em qualquer lugar do mundo é natural e esperado que as políticas públicas passem por ajustes. Por que haveria de ser diferente no Brasil?
Mas esse nem é o ponto principal. Na verdade, quem ataca a reforma do ensino médio fecha os olhos para o diagnóstico que levou à formulação da proposta. Nas últimas décadas, essa etapa ficou estagnada. Enquanto o desempenho dos alunos do ensino fundamental dava alguns sinais de melhora no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o ensino médio não avançava. Pesquisas indicaram uma espécie de crise de identidade: a escola era percebida por muitos jovens como uma estrutura engessada, cujo ensino de baixa qualidade pouco ou nada ajudava, fosse para ingressar no mercado de trabalho ou no ensino superior. Um descalabro.
Diante desse cenário, em 2016, o então presidente Michel Temer editou medida provisória elevando a carga horária e criando uma nova organização curricular: 60% do tempo foi destinado a disciplinas comuns a todos os alunos, enquanto 40% ficaram reservados para aulas nos chamados itinerários formativos, nos quais os estudantes podem se aprofundar em determinada área do conhecimento ou, ainda, optar por formação técnica profissionalizante. Vale lembrar que o Congresso aprovou o projeto de conversão da medida provisória, que virou lei em 2017, concedendo prazo de cinco anos para as redes de ensino se prepararem.
No meio do caminho, porém, surgiu a pandemia de covid-19, agravada pela inoperância do governo do então presidente Jair Bolsonaro e sua incapacidade de dialogar e articular esforços com os governos estaduais, que respondem por mais de 80% das matrículas do ensino médio. Assim, os dois anos que antecederam a implantação da reforma se deram em meio às adversidades do ensino remoto e da inexistência de um Ministério da Educação (MEC) sob Bolsonaro. Não surpreende que tenha havido falhas.
A propósito, fez bem recentemente o Ministério da Educação ao abrir consulta pública para aperfeiçoar o Novo Ensino Médio. Da mesma forma, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que reúne os dirigentes estaduais, corretamente se posicionou, enfatizando que não seria “sensato” descartar o esforço técnico e financeiro empreendido até aqui. Eis a atitude que se espera de qualquer autoridade minimamente comprometida com a melhoria do ensino no País. De fato, é inacreditável que o presidente Lula da Silva, que se diz preocupado com a educação, aja na direção contrária − e faça política barata com assunto tão decisivo.