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O avanço das facções na Amazônia

Crime organizado se alastra em alta velocidade e, diante da tibieza do Estado, amplia as fronteiras do tráfico de drogas, diversifica os negócios ilícitos e vira o grande empregador da região

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Por Notas & Informações
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As facções criminosas avançam sobre municípios da Amazônia Legal em alta velocidade. Hoje, nada menos que um terço das cidades da região convive com o crime organizado, segundo o mais recente relatório Cartografias da Violência na Amazônia, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Instituto Mãe Crioula. Entre 2022 e 2023, saltou de 178 para 260 o número de municípios em que esses bandos atuam.

São grupos nascidos principalmente no Sudeste, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), mas que, diante da tibieza do Estado no combate à violência, fincam suas raízes na região ao passo que expandem as fronteiras de seus negócios ilícitos. Toda a Amazônia Legal, que engloba 9 Estados, soma 772 cidades.

Enquanto as facções alcançam mais municípios, o poder do crime se concentra. O número de organizações caiu de 22 para 19. O CV domina 130 municípios e o PCC, 28. E isso pode ajudar a explicar até mesmo a queda de homicídios. Ante o primeiro relatório, com dados de 2021, o número de mortes violentas caiu 6,2% em 2023. São 32,3 óbitos por 100 mil habitantes, mas ainda 41,5% acima da média nacional. Nas cidades onde há duas ou mais facções, predominam os conflitos e impera o terror.

O ritmo da expansão do crime organizado na Amazônia Legal é “surpreendente”, na avaliação dos autores. Mas não é difícil entender esse avanço. A demanda mundial por cocaína cresce, o que implica aumento da oferta. A região faz fronteira com países produtores, como Bolívia, Colômbia e Peru. E, com o foco do PCC no escoamento da cocaína paraguaia pelo Porto de Santos para o mercado europeu, uma ampla frente logística se abre ao norte para seu principal concorrente, o CV.

A força do narcotráfico é uma novidade da última década na vida do povo amazônico. Mas desde a segunda metade do século 20 o crime impõe suas regras na região, com grileiros, garimpeiros e madeireiros como os grandes protagonistas das práticas ilícitas.

São décadas de omissão do poder público, o que alimenta disputas agrárias que destroem a floresta e amedrontam a população. É isso o que explica, por exemplo, o registro de mais de 20 mil propriedades ilegais que se espalham por unidades de conservação, terras públicas sem destinação e terras indígenas, nas quais a floresta dá lugar a monoculturas e pastagens para o gado.

Todos esses crimes têm como pano de fundo disputas fundiárias. E o resultado de anos de ausência estatal é a sobreposição de ilícitos. Hoje, organizações criminosas se associam aos veteranos devastadores. Versadas no crime, as facções passaram a atuar no comércio em áreas de garimpo, na exploração ilegal de ouro, na grilagem, no contrabando de madeira e minérios e até mesmo no agronegócio para lavar dinheiro. Não à toa, esse quadro leva o presidente do FBSP, Renato Sérgio de Lima, a afirmar que o crime é o maior empregador na Amazônia.

A solução para tantos problemas passa pela mobilização de municípios, Estados e União. E, para isso, o FBSP lista uma série de medidas. Entre elas estão o aperfeiçoamento do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para que se reduzam as invasões de terras protegidas; a qualificação da investigação criminal e de mecanismos de combate à lavagem de dinheiro com o fortalecimento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf); e a articulação entre as instituições de segurança pública estaduais e federais, órgãos de controle ambiental e da Justiça.

A tarefa que se impõe às autoridades é diretamente proporcional à vastidão do território amazônico e, por isso mesmo, exige menos barulho e mais inteligência. Esse trabalho demanda a união de esforços para a implementação de políticas públicas que estimulem a bioeconomia, impulsionem pesquisas científicas na região e ofereçam alternativas legais de trabalho e renda à população local.

Sobram caminhos para o enfrentamento do crime. O que não pode faltar é vontade política para estrangulá-lo, sobretudo na região com a maior biodiversidade do planeta e crucial para o futuro da humanidade. A responsabilidade do Brasil é imensa.