Em tese, as redes sociais podem ser um vigoroso instrumento de difusão da democracia, onde os cidadãos podem se encontrar para debater, empatizar, fazer concessões e construir consensos. No último ano, a pandemia e mais especificamente as eleições nos EUA forçaram muitas mídias a aprimorar seus sistemas de alerta à desinformação, suspender contas falsas e elevar padrões de qualidade da informação e da civilidade nas praças virtuais. Mas, na prática, as evidências sugerem que esses esforços têm sido insuficientes.
Segundo o inventário anual da Manipulação Organizada das Mídias Sociais do Oxford Internet Institute, a atividade das milícias digitais (cyber troops) – definidas como “atores governamentais ou partidários empenhados na manipulação da opinião pública online” – continua a crescer. “A desinformação industrializada tornou-se mais profissionalizada, e foi produzida em larga escala por grandes governos, partidos políticos e empresas de relações públicas”. Em 2019, o inventário identificou 70 países onde as mídias sociais foram amplamente utilizadas para disseminar propaganda e desinformação sobre política. Em 2020 foram 81.
“De campanhas de desinformação sobre o coronavírus promovidas pela China, Rússia e Irã a forças policiais na Bielorrússia alvejando ativistas com campanhas de desinformação e difamação ou empresas privadas usando propaganda computacional para apoiar eleições, muitos atores políticos estão encontrando modos de explorar tecnologias das redes sociais para disseminar propaganda online.”
Em 57 dos 81 países verificou-se a utilização de contas automatizadas (os chamados “bots políticos”) para amplificar certas narrativas e sufocar outras. Cada vez mais comuns são as contas com “curadoria humana” utilizadas para se engajar em conversas por meio de comentários ou de mensagens privadas. Contas como essas, verdadeiras ou falsas, foram identificadas em 79 países.
As mensagens mais comuns são os ataques à oposição ou campanhas de difamação. Um exemplo são as calúnias a ativistas de Hong Kong por milícias digitais apoiadas pelo Partido Comunista Chinês. Esse tipo de mensagem foi identificado em 94% dos países estudados. Depois vêm as campanhas para amplificar artificialmente o apoio a governos e partidos (90%); a supressão da participação por meio da “trolagem” ou intimidação (73%); e as cada vez mais frequentes narrativas projetadas para acirrar a divisão e a polarização entre os cidadãos (48%). No Brasil funcionam todos esses tipos de mensagens.
A estratégia de comunicação predileta é a criação de desinformação ou mídias manipuladas via websites de fake news, memes, imagens e vídeos. Contrariamente às expectativas, a utilização da tecnologia deep fake ainda é relativamente baixa. Outra tática comum é o uso de “trolagem”, vazamento de dados privados e intimidação.
Há ainda um mercado em ascensão de empresas contratadas para perfilar segmentos específicos da população e alvejá-los com anúncios políticos. Embora essa técnica baseada em dados não seja em si irregular, ela é frequentemente empregada para disseminar desinformação e narrativas falsas. Desde 2009, o inventário identificou mais de 65 empresas operando em 48 países por meio de contratos que somam US$ 60 milhões. Mas, segundo os próprios pesquisadores, essas cifras são defasadas.
As derrotas na guerra à desinformação se devem a uma multiplicidade de fatores. Aos investimentos de governos autoritários, partidos políticos e empresas de relações públicas se somam políticas de vigilância frouxas, escolhas de design tecnológico pobres e passividade das lideranças das mídias sociais. Esses aspectos precisam ser urgentemente ponderados pelas autoridades públicas e pela sociedade civil. Mas, considerando que as técnicas de desinformação seguem evoluindo e serão turbinadas por novas tecnologias – como a Inteligência Artificial, a Realidade Virtual ou a Internet das Coisas – o cenário mais realista num futuro próximo é que a indústria da desinformação deve se expandir antes de arrefecer.